RUTH DE AQUINO
ÉPOCA
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Achávamos o Brasil imune a chacinas escolares “do tipo americano”. Já encaramos tantos problemas tão nossos. Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, tinha lugar cativo na música brasileira. Foi imortalizada por “Aquele abraço”, uma das composições mais cantadas de Gilberto Gil. Ironicamente, a letra, feita no exílio da ditadura em 1969, começava com “O Rio de Janeiro continua lindo”. E o estribilho, “Alô, alô, Realengo, aquele abraço”, era um recado para o quartel em que Gil ficara preso.
Agora, nosso abraço sentido e solidário vai para uma outra Realengo, aturdida, que reza, enche de flores a rua, acende velas e doa as córneas das crianças mortas para tentar tocar a vida adiante.
Todos procuram na história do atirador, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, os motivos que o tornem único. Era muito mau, muito louco, um animal, um psicopata, um esquizofrênico e se matou. Logo, isso não voltará a acontecer. Certo? Errado. O que podemos fazer para tentar evitar novos massacres de brasileirinhos?
• As escolas precisam ter psicólogos que possam antever problemas com alguns alunos. Um dos depoimentos mais lúcidos foi de Bruno Linhares, ex-colega do atirador: “As escolas estão mal preparadas. O Wellington era completamente maluco. Na sala de aula, já era perceptível o distúrbio mental dele. Muito calado. Vivia agarrado com a pasta embaixo do braço e dava uns sorrisos estranhos. Um amigo um dia bateu no ombro dele e disse: ‘A gente tem medo de que você ainda vá matar muita gente’. Foi uma profecia. Deveriam chamar os pais dele, encaminhar ao psicólogo e ver qual a situação dele.” Psicólogos podem parecer luxo num sistema de ensino tão deficitário como o nosso. Mas, diante de tantos casos de violência entre alunos ou com os professores, não dá para ter quase 1.000 estudantes numa escola municipal sem uma assistência psicológica real, que funcione.
• A família deve prestar mais atenção ao comportamento dos meninos. “Há alguns padrões entre esses atiradores”, disse o psiquiatra Luiz Alberto Py. “Em todos, existe uma violência contida e armazenada durante anos até explodir. São crimes premeditados e tipicamente masculinos. O macho é mais dotado dessa busca de matar ou morrer. Para alguns, a juventude é um momento transtornado e confuso. O misticismo exagerado é outro indício preocupante. Na dúvida, a família deve procurar um psiquiatra, porque hoje há diversos medicamentos capazes de acalmar e diminuir a confusão mental.”
Achávamos o Brasil imune a chacinas escolares. O que podemos fazer agora para evitar novos massacres?
• Escolas precisam reforçar a segurança. Não dá para qualquer um entrar em salas de aula sem identificação. Nos Estados Unidos, depois do massacre de 15 alunos na escola de Columbine, em 1999, as escolas passaram a usar detectores de metais. Há quem ache essa medida radical ou paranoica diante de tragédias tão raras. Mas temos acompanhado inúmeras histórias de alunos, até mesmo em escolas de elite, que levam armas dos pais à sala de aula para mostrar aos amigos. Uma segurança maior contribui para evitar não só crimes premeditados, mas acidentes com armas de fogo.
• Infelizmente, a sociedade contribui para a glamourização da violência. É um exagero descomunal a quantidade de filmes violentos com tiros, degolas e estupros em horário nobre na TV. Fico pasmada com o investimento familiar maciço em jogos de computador cujo objetivo é matar ou morrer. Qual será o efeito em crianças e adolescentes?
• O Brasil não deveria se intimidar com os lobbies de armas. Temos de estudar seriamente a aprovação do Estatuto do Desarmamento. A elite colecionadora de armas detesta esse assunto. Wellington tinha em sua mochila 12 speed loaders, acessório para carregar os revólveres com rapidez, que pode ser comprado por qualquer pessoa em lojas de caça e pesca por até R$ 30. O Estado do Rio tem 581 mil armas ilegais, segundo levantamento do deputado estadual Marcelo Freixo, da CPI das Armas. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou nova campanha do governo pelo desarmamento: “Temos uma cruzada pela frente”.
Podemos não conseguir evitar chacinas semelhantes. Mas cruzar os braços me parece pior.
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