Merval Pereira
O GLOBO
A realização da Copa do Mundo de futebol em 2014 - juntamente com a conquista da sede das Olimpíadas de 2016 para o Rio de Janeiro - é um marco do que o governo pretende que seja a afirmação do Brasil como um dos países centrais no mundo multipolar que vem se desenhando há alguns anos.
A crise financeira que assola as economias globalizadas desde 2008 apressou esse redesenho, e o Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), um acrônimo para facilitar o entendimento de investidores, transformou-se em realidade emergente, com o Brasil sendo percebido como potencialmente a quinta economia do mundo e a bola da vez dos investimentos internacionais.
A realização das duas maiores competições esportivas do planeta em dois anos tem a importância política que tiveram as Olimpíadas de Moscou, em 1980, (quando a lágrima do ursinho Misha encantou o mundo) e de Pequim, em 2008, para Rússia e China.
Além do aspecto político, sem dúvida o mais relevante, esses eventos serão a oportunidade de mostrar ao mundo a capacidade de realização do que seria a moderna economia brasileira, o portentoso presente do eterno país do futuro.
Mas nossos dirigentes políticos estarão correspondendo a essa necessidade de o país se firmar como uma nação moderna e progressista?
Os relatórios sobre as obras para a Copa do Mundo indicam que não, continuamos patinando em politicagens baratas, desorganização, má gestão administrativa.
Os cronogramas acordados na Matriz de Responsabilidades, documento que contém os compromissos de estados, municípios e governo central para a realização da Copa do Mundo de futebol, não estão sendo seguidos com o rigor necessário, e já houve reprogramação em relação ao primeiro balanço, em dezembro de 2010, de cerca de 50% dos projetos.
As chamadas "obras de mobilidade urbana", que são o legado das competições para a melhoria das condições de vida das cidades que sediarão os jogos da Copa, estão em "estado de atenção" devido à reprogramação seguida dos cronogramas.
Muitas dessas reprogramações acontecem por divergências burocráticas entre as autoridades estaduais, como em Manaus, por exemplo, onde o governo quer trocar o monotrilho inicialmente previsto por BRT (faixa especial para ônibus rápidos).
Em Recife, é justamente ao contrário: querem trocar os corredores de ônibus previstos por um monotrilho.
Os principais marcos das obras precisam ser rigorosamente cumpridos neste primeiro semestre para que cerca de 70% das obras de mobilidade urbana tenham início em 2011: o início de oito obras, a realização de 21 processos licitatórios e a conclusão de 12 projetos básicos.
O financiamento com a Caixa é um caminho crítico, e sete estados ou municípios ainda não assinaram contratos por falta de documentação ou por não estarem em condições de pegar empréstimos devido à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Cinco cidades merecem atenção especial por necessitarem de definições quanto ao conceito de projetos de transporte: Brasília, Recife, São Paulo, Cuiabá e Manaus.
Há o compromisso de resolução dessas pendências e assinatura dos contratos remanescentes com a Caixa até o final deste mês.
A situação dos aeroportos é considerada crítica devido à saturação do setor e à reprogramação de 22 dos 25 empreendimentos prioritários para a Copa.
Alguns aeroportos necessitam de definições urgentes por já se prever saturação em 2014, mesmo com as intervenções propostas.
O aeroporto de Confins, em Belo Horizonte, por exemplo, mesmo com as obras previstas, terá ocupação de 153% em 2014. Sem as obras, a ocupação seria de 260%.
Outros cinco aeroportos estão em situações semelhantes: Brasília, Guarulhos, Fortaleza, Cuiabá e Porto Alegre.
Cerca de 1/3 das obras nos aeroportos está com atrasos superiores a sete meses, descumprindo os acordos assinados na Matriz de Responsabilidade, e parte tem o risco de não conclusão total para 2014.
Sete portos foram selecionados como prioritários para a Copa, com projetos de melhoria em terminais de passageiros, acessibilidade terrestre e marítima.
Os cronogramas que mais preocupam são os da cidade do Rio de Janeiro e de Manaus, com conclusão para o início de 2014.
No caso de Manaus há impasse referente à aplicação de recursos federais no porto, levando-se em consideração que é atualmente uma concessão, sendo necessária definição até o final deste mês.
Quando o presidente da Fifa, Joseph Blatter, disse ironicamente que a Copa será realizada "amanhã, mas os brasileiros pensam que é depois de amanhã", estava fazendo um jogo político interno, sem dúvida, mas também refletia a preocupação com o atraso das obras dos estádios.
Para a Fifa, o fundamental são os estádios, cujas obras só foram efetivamente iniciadas este ano e espera-se que ganhem ritmo adequado em 2011. São Paulo e Natal não iniciaram obras e devem fazê-lo neste semestre.
Oito estádios já têm modelagem financeira equacionada, sendo cinco através de contratos já assinados com o BNDES. O Rio de Janeiro precisa responder a questionamentos de órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União (TCU) através da elaboração do projeto executivo até 15 de abril.
Os estádios de Porto Alegre e São Paulo ainda não apresentaram garantias financeiras para as obras, mas devem fazê-lo até o fim deste mês.
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