quarta-feira, 6 de abril de 2011

Viver mais custa caro

Robert Fogel
Veja 
  
O prêmio Nobel americano diz que o setor de saúde será um dos motores da economia no século XXI - e que a alta de preços reverterá em ganhos para os mais pobres

Aos 84 anos, o americano Robert Fogel figura no rol dos mais renomados e prolíficos economistas em atividade. Laureado com um Prêmio Nobel em 1993, diretor do Centro de Economia Populacional da Universidade de Chicago, onde dá aulas. Fogel notabilizou-se pela objetividade com que se debruça sobre montanhas de dados para decifrar questões surgidas do crescimento econômico tanto de países desenvolvidos como de nações emergentes, entre as quais a China, principalmente. No estudo que lhe valeu o Nobel, o economista conseguiu estimar o peso do advento das ferrovias para o avanço do produto interno bruto (PIB) americano em 1890. Fogel atualmente vem se dedicando a analisar o setor de saúde, que vê como uma das molas propulsoras do capitalismo moderno. Em meio às discussões sobre a reforma proposta pelo presidente Barack Obama, que pretende universalizar o sistema médico americano ao estilo europeu, ele desafia o senso comum ao afirmar, com base em suas pesquisas, que para os cidadãos menos abastados a melhor saída é que os abonados gastem mais. “Os bons hospitais construídos para os ricos acabam beneficiando também os mais pobres por meio dos planos de saúde”, resume Fogel, na seguinte entrevista que concedeu a VEJA.

O senhor acredita que os gastos médicos das pessoas tendem a aumentar?
Eles já estão aumentando. Fiz projeções para os Estados Unidos e para países da Europa que mostram que, pelo menos até 2040, o acesso à saúde vai encarecer, ano após ano. Isso porque, a princípio, a maior parte das novas tecnologias se traduzirá em instalações e equipamentos também mais dispendiosos. Veja o que ocorreu com o diagnóstico por imagens. Em pouco tempo, passamos de um simples raio X a imagens incrivelmente precisas. Tudo muito caro, mas também maravilhoso do ponto de vista dos benefícios. É um equívoco achar que as pessoas devem gastar menos com saúde. Precisamos desmistificar essa ideia. Trata-se de um investimento que lhes traz cada vez mais retorno. À medida que a tecnologia evolui, a tendência é que os cidadãos obtenham resultados também mais eficazes. Em suma, as pessoas estão pagando para viver mais tempo e com mais qualidade.

E como os mais pobres poderão se beneficiar dos avanços na saúde?
Infelizmente, nunca haverá igualdade absoluta entre ricos e pobres nesse campo. Nos países mais avançados, a grande diferença no acesso à saúde não está tanto na qualidade do tratamento, mas na conveniência. Sempre que puder, o cidadão pagará para que o médico o espere, e não o inverso. Ainda assim, há uma correlação interessante entre as vantagens que os dois estratos sociais podem obter quando o sistema de saúde evolui.

Como isso ocorre? 
Uma comissão da Organização Mundial de Saúde (OMS) da qual participei concluiu que, em diversos lugares, a única forma de prover acesso à saúde aos mais pobres é construindo hospitais para os muito ricos. Mesmo que a população que habita o topo da pirâmide de renda não precise deles, porque tem dinheiro para voar até um país vizinho e se tratar, se essas instalações estiverem disponíveis, poderão em algum momento atender também os menos abastados, por meio dos planos de saúde. Por isso, por mais paradoxal que pareça, apoiar a criação de hospitais privados no mundo em desenvolvimento é a melhor maneira de conseguir tratamento para os mais pobres.

O setor de saúde será o grande propulsor da economia do século XXI? 
Não tenho dúvida. Está claro que a demanda por serviços na área de saúde seguirá em trajetória ascendente, seja nos países desenvolvidos, seja nas nações emergentes. Primeiro, por uma questão demográfica. Pelos meus cálculos, graças à evolução tecnológica e à maior disponibilidade de água e comida, a geração nascida nos anos 1980 alcançará, em países mais ricos, uma expectativa de vida de 100 anos. A cadeia produtiva nessa área é das mais extensas. Com os estímulos adequados, calculo que o impacto da saúde no produto interno bruto (PIB) americano poderá chegar a algo como 2,5% a 3% ao ano. Isso representa um enorme impulso para a economia. Se considerados os valores de hoje, esse porcentual significa adicionar anualmente à riqueza americana algo como 438 bilhões de dólares. Estamos falando de uma quantia equivalente ao PIB da Suécia.

Os setores que mais avançaram nos séculos XIX e XX se originaram de monopólios estatais. Qual será o maior vetor de crescimento para a saúde - estatal ou privado? 
Certamente privado. Nos Estados Unidos, a maior parte do investimento na área é patrocinada pelos próprios empregadores. Todas as empresas têm registrado aumento em seus gastos com saúde, a ponto de eles se tornarem cada vez mais parte relevante do pacote de benefícios dos funcionários. Tais gastos já representam mais de 20% da remuneração média oferecida pelo setor privado americano. Vejo, no entanto, como um claro papel do estado custear a saúde dos mais velhos e dos mais pobres, gente que não é capaz de arcar com um plano de saúde. Acho que a reforma proposta pelo presidente Barack Obama tem sido mal conduzida. Ela visa a cortar custos, mas, antes de fazer isso, o governo teria de verificar se o sistema está caro porque é ruim ou simplesmente porque as pessoas começaram a gastar mais. Para mim, essa última hipótese parece ser a mais plausível - e incontornável.

Como um estudioso do impacto das novas tecnologias na economia, o senhor diria que elas são hoje o grande motor do desenvolvimento? 
As inovações têm sido fator decisivo para o crescimento dos países, mas os afeta de forma muito distinta. Uma economia como a americana, situada na fronteira da inovação, avança no ritmo de sua evolução tecnológica. Já nações como Índia ou China, às quais venho me dedicando, aumentam seu PIB não exatamente por suas próprias invenções, mas pela grande capacidade de aplicar à sua realidade tecnologias já existentes no mundo desenvolvido. Elas estão indo muito bem. A China tem o crescimento mais vigoroso de todo o mundo - três vezes o ritmo da União Europeia - e a Índia avança apenas um pouco mais devagar. Os chineses apresentam uma evolução particularmente consistente. Em não mais que três décadas, acredito que darão um passo à freme, tornando-se fones produtores de tecnologia. Até lá, a China já será, nesse setor, bem mais avançada do que países da Europa. E fará séria concorrência aos Estados Unidos.

O senhor acredita que a economia chinesa superará a americana em algum momento?
 Isso dependerá mais dos Estados Unidos do que da própria China. Se os americanos continuarem aumentando a produtividade do trabalho em 2% ou 3% ao ano, como acontece hoje, poderão manter-se na dianteira indefinidamente.

O que vem impulsionando o fenômeno chinês?
 Em primeiro lugar, a opção dos chineses por uma forma de capitalismo que abandonou de vez a velha ideia de que o governo central deve gerenciar tudo na economia. Espantosamente, nos Estados Unidos a interferência do estado em alguns setores é hoje até maior que na China. Só para dar um exemplo, são necessários muito mais licenças para instalar uma usina termelétrica a carvão em solo americano do que em território chinês. Os chineses também acertaram ao investir pesadamente em educação e pesquisa científica. Eles entenderam que contar com capital humano é essencial para a mudança de patamar. Na China, 100% das crianças de 6 a 15 anos e 80% dos jovens frequentam as salas de aula, números incríveis. A taxa na universidade já é de 25%, e a meta é chegar ao dobro disso em 2020. O pragmatismo dos chineses é tal que eles deverão alcançar o objetivo bem antes do prazo.

O Brasil poderia dar um salto educacional tão acentuado como o da China? 
O caso brasileiro é mais complexo. Para empreender uma transformação de tamanha magnitude na educação, é necessário contar com forte apoio da população, já que envolveria aumento de impostos e implantação de novas regras para o setor ganhar eficiência. Tudo isso leva muito tempo numa democracia - algo que inexiste na China. Mas não quer dizer que não possa ser feito no Brasil. Um ótimo exemplo de avanço educacional numa democracia vem do Chile, que conseguiu saltar de nível na última década. Como os chilenos atingiram tal feito? Além de investirem maciçamente e de forma racional na educação, eles alçaram a sala de aula ao topo da agenda política. A pergunta que deve ser respondida pelos brasileiros é se há, verdadeiramente, disposição de concentrar esforços ai.

O senhor apostaria numa lenta transição para a democracia na China? 
Não iria tão longe. E a principal razão é que a ditadura chinesa não tem representado um obstáculo para o crescimento do país. Embora eu esteja convicto de que o sistema democrático é ainda a melhor forma de conquistar o progresso econômico a longo prazo, ele não é condição necessária para tal. Nenhum dos paises que despontaram entre o fim do século XIX e o inicio do XX - incluindo ai Alemanha e Japão vivia numa democracia.

Levantes populares como os que ocorreram no Oriente Médio são improváveis de se repetir na China? Estamos falando de situações muito diferentes. Não creio que haverá grandes tumultos na China. O país monitora o tempo todo o risco de isso acontecer, por meio de institutos de pesquisa e universidades que considero honestas. Elas, que aferem a satisfação da população com o governo, indicam hoje uma aprovação na casa de 80%. Existe entre os chineses uma sensação disseminada em todos os estratos sociais de que a vida está melhorando, o que distingue decisivamente a China dos países do Oriente Médio. Não significa, obviamente, que tudo ali transcorra tranquilamente, sem greves ou protestos. Mas, quando uma agitação ocorre, apesar de as administrações regionais serem autoritárias, elas são levadas pelo governo central a ouvir os descontentes. O objetivo é tentar lhes agradar de alguma forma, para apaziguar os ânimos.

Como o senhor classificaria o ciclo econômico iniciado nos Estados Unidos a partir da crise de 2008? 
A situação é certamente muito grave, mas eu não a poria no mesmo patamar da crise que se instaurou no país depois da Grande Depressão. Entre 1932 e 1941, o desemprego nos Estados Unidos ficou perto de 25%, e só viria a diminuir na II Guerra Mundial, quando o envio de milhares de jovens aos campos de batalha levou à escassez de mão de obra. Ainda assim, a atual taxa de desemprego americana, em torno de 9%, é muito alta para os padrões do mundo desenvolvido. Em ciclos de crescimento vigoroso, esse indicador não costuma passar dos 5%.

Por que o governo de Barack Obama não está conseguindo criar empregos na quantidade necessária? 
O governo exagerou na abordagem keynesiana, despejando uma montanha de dinheiro em programas governamentais complexos e demorados, quando deveria ter apostado em estímulos mais direto ao setor privado. Medidas, como abater das empresas impostos relativos ao investimento na instalação de fábricas, ou o estimulo à redução dos juros praticados pelos bancos, teriam muito mais efeito do que o incentivo à compra de carros, por exemplo. A meu ver, essa iniciativa foi um enorme equívoco. Afinal, os americanos já possuem dois automóveis por família. E em cada uma delas contam-se, em média, apenas duas pessoas com idade para dirigir. Trata-se de um exemplo de como a intervenção do estado pode ser não só inócua - como um obstáculo à prosperidade.
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