Para purgar uma década de desvarios e de excessos, as empresas devem voltar ao básico
Para purgar uma década de desvarios, as empresas devem adotar um rigoroso código de conduta. Objetivo: purgar os excessos e voltar ao básico.
O exemplo vem do Norte, frio e bem-criado. Em 1995, um grupo de jovens cineastas dinamarqueses lançou o irônico Dogma-95. Considerado como golpe publicitário pelos mais ranzinzas, o manifesto propunha salvar o cinema do artificialismo e dos efeitos especiais. Nobre causa! Para garantir a recuperação da Sétima Arte, foi criado um “voto de castidade”, com uma série de regras éticas e estéticas. Alguns exemplos: a filmagem deve ser feita em locações – nada de estúdios; o som deve ser gravado junto à imagem; a película tem de ser colorida e não se utiliza iluminação artificial; efeitos ópticos e filtros são proibidos; filmes de gênero – policial, romance, por exemplo – não são aceitos; e o diretor não deve ter seu crédito destacado, porque as obras são coletivas. O movimento promoveu talentos, como Thomas Vinterberg e Lars von Trier, e gerou obras de grande força dramática, como Os Idiotas e Mifune.
Vencida uma década, esse escriba crê que é chegada a hora de a Administração também adotar um código de conduta. Afinal, depois de anos de introdução de novidades e pirotecnias diversas, a gestão de empresas continua uma lástima, um verdadeiro filme B, com canastrões interpretando roteiros inverossímeis e finais vez por outra escabrosos. A máquina de relações públicas tenta preservar marcas e reputações. No entanto, das entranhas corporativas continuam a brotar histórias de horror, a envolver tramas palacianas, prolongadas crises, patologias diversas, pequenos e grandes delitos, barões abusivos e profissionais aviltados. Cumpre, portanto, lançar um voto de castidade empresarial, a ser adotado como base para a superação do estado das coisas:
- Toda a retórica corporativa deve ser depurada, a fim de se recuperar o realismo na comunicação. A linguagem deve ser simples e direta. Ficam proibidas declarações de missão e visão, assim como expressões vazias, tais como classe mundial, proatividade, sinergia, vantagem competitiva, capital intelectual e solução holística.
- As próprias empresas devem encontrar soluções para seus problemas. São, portanto, proibidos o uso de pacotes, a adoção de panacéias gerenciais e as certificações de qualidade e congêneres para promoção da imagem corporativa.
- A tecnologia da informação deve ser usada apenas para o bem. São proibidos projetos grandiosos, de ambições desmedidas e escopo incerto.
- Os executivos passam a exercer atividades executivas. Devem, portanto, ser evitadas as contratações indiscriminadas de consultores e assessores, assim como a terceirização inconseqüente de atividades estratégicas. Pelo mesmo motivo, é também banido o uso de telefones celulares no ambiente de trabalho. Executivos devem estar presentes de corpo e cérebro em suas empresas, não a flanar em ondas eletromagnéticas.
- É proibido o uso de recursos de apelo fácil para fins de manipulação e controle dos quadros profissionais. São banidos o curandeirismo, o esoterismo e os livros e as revistas de auto-ajuda empresarial.
- São também proibidas as práticas destinadas a motivar os funcionários. O trabalho passa a ter (ou não) sentido em função de suas características intrínsecas. Devem ser, portanto, banidas as palestras motivacionais e as dinâmicas de grupo, especialmente aquelas que terminam em catarse coletiva ou em declarações de “descobertas profundas” e encontro do “verdadeiro eu”.
- É banida a maquiagem de currículo. Os históricos profissionais deverão conter apenas informações factuais, sem uso de hipérboles destinadas a inflar artificialmente as qualidades dos candidatos.
- É suspensa a contratação de MBAs e assemelhados. Esses atores, de excessiva ambição e pouco pendor para o trabalho, deverão ser mantidos a distância ou em funções estritamente controladas.
- São suspensos os programas de polimento social de executivos: degustação de vinho, etiqueta social, como combinar a gravata com o suspensório, como falar em público e congêneres.
- São suspensas as atividades de relações públicas para a promoção de executivos. Publicações de casos de sucesso, acompanhadas por fotos dos grandes timoneiros são proibidas. O reconhecimento deve ser coletivo.
Em tempo: o manifesto Dogma-95 foi revogado em junho de 2002, no momento em que seus proponentes consideraram sua missão cumprida e superada. Em seu lugar, apostaram na volta à “anarquia básica”. Fica determinado que o presente voto terá validade até 2012. Até lá, poderá ser utilizado pelas empresas de boa vontade para normalizar suas práticas gerenciais.
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