quinta-feira, 5 de abril de 2012

Combate ao atraso

MIRIAM LEITÃO
O GLOBO

Há dúvidas até sobre o diagnóstico. A maioria dos economistas reforça a tese mais comum: de que a indústria passa por uma crise e precisa de atenção do governo. Outros calculam que o setor industrial está ficando menor em relação ao PIB, mas não está encolhendo, está apenas crescendo menos. O consenso: o pacote não vai resolver a questão, porque os problemas estruturais não foram enfrentados e continuam fora da pauta.

O economista Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do Instituto de Economia da UFRJ, explica que a indústria brasileira cresceu em média 1,6% ao ano de 2005 a 2011. Por crescer em um ritmo mais fraco está perdendo participação no PIB. Castelar diz que a desaceleração da indústria acontece no mundo inteiro, porque a demanda mundial está menor. Por causa da crise, o endividamento aumentou e isso reduziu o apetite por crédito.

- A indústria está desacelerando no mundo inteiro. O que existe aqui é um desafio de competitividade porque a demanda mundial diminuiu. E não é dando mais subsídio que vamos resolver isso. Pelo contrário, as medidas de proteção são contra a produtividade. Isso é voltar ao passado, é deixar a indústria brasileira mais dependente - afirmou.

O economista Sergio Vale, da MB Associados, acha que a indústria foi sim afetada pela crise internacional, que diminuiu a demanda global e afetou as expectativas dos empresários. Uma prova disso está na queda da demanda por crédito do setor industrial no BNDES (veja esse e outros gráficos em meu blog). Despencou no segundo semestre do ano passado: o desembolso acumulado em 12 meses para a indústria foi de R$ 67 bilhões para R$ 39 bi de agosto a setembro. Já o crédito para o comércio subiu de R$ 77 bilhões para R$ 85 bilhões de agosto a dezembro. Ou seja, o pacote do governo errou de mira, porque ofereceu mais dinheiro a quem já estava pegando menos.

- Quem queria investir pensou duas vezes. Precisávamos de um verdadeiro corte tributário horizontal, para todos os setores. Mas isso não vai acontecer porque dependeria de ter um corte de gastos semelhante, algo que o governo não está disposto a fazer agora - explicou Sergio Vale.

A lista do que se precisa fazer para aumentar de fato a competitividade da indústria brasileira tem uma parada obrigatória no custo da energia. O gráfico postado no blog mostra que houve alta de 194% de 2001 a 2011 no custo da energia elétrica, enquanto a inflação medida pelo IGP-M chegou a 115% e pelo IPCA, 83%. Tudo fica mais claro quando se faz o raio x do custo da luz de 2011: 50% do preço são encargos, taxas e tributos; 24% é produção da energia; 21%, custo de distribuição; 5%, custo do transporte. Ou seja, metade do gasto que as empresas tiveram com energia foi para pagar tributos, encargos e tarifas.

Mesmo com todas as descobertas de reservas, o custo do gás natural no país é dos mais altos do mundo: US$ 16,8 pelo BTU (unidade que mede o gás natural). A média mundial é de US$ 13,7, enquanto a média dos Brics é ainda mais baixa: US$ 7,3. Menos da metade do que paga à indústria no Brasil.

O presidente da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres), Paulo Pedrosa, reclama que a energia ficou de fora dos últimos pacotes do governo e continua fora da pauta de prioridades. Ele explica que houve uma preocupação muito grande em garantir a oferta de energia, para que não houvesse apagão na gestão petista, e por isso, deixou-se de lado as preocupações com preços.

- A energia é fator de perda de competitividade da indústria e deveria ser atacada com prioridade. Há todo tipo de tarifas, encargos, taxas, impostos, subsídios cruzados, há de tudo na conta. Ao contrário do combate ao câmbio, que gera efeitos colaterais, como inflação, reduzir o custo da energia é dar ganho de competitividade à indústria sem causar outros problemas - explicou Pedrosa.

Em todo anúncio de pacote nos últimos anos o governo garantiu que o resultado das medidas seria a elevação da taxa de investimento para 24%. Nunca aconteceu. Ela até recuou um pouco em 2011. A taxa de investimento só conseguiu superar os 20% do PIB por duas vezes nos últimos 20 anos. Em 1991 e em 1994. Nos últimos anos, bateu em 15,3% em 2003, foi a 19,5% em 2010, e caiu para 19,3% no ano passado (vejam o gráfico no blog).

A produtividade da indústria de transformação também está em queda. Depois de bater em 105 pontos, num índice medido pelo IBGE, em abril de 2010, recuou para 100 pontos em janeiro deste ano. Isso é, em grande parte, resultado do aumento de custos do trabalho. Neste ponto, a mudança da forma de cobrança da contribuição patronal previdenciária, mesmo que parcial, pode trazer algum resultado.

O economista Felipe Queiroz, da Austin Rating, enumera os velhos problemas conhecidos de perda de competitividade industrial: carga tributária elevada, falta de mão de obra especializada, infraestrutura logística sucateada, custo de produção elevado. Ele também acha que o pacote de ontem não enfrenta essas questões.

- As medidas anunciadas na terça-feira, pela sexta vez, são apenas paliativas e não resolverão os problemas. As questões são estruturais, e o governo não tem tomado medidas para resolver as causas - disse.

É torcer para que elas sejam apenas medidas para ganhar tempo enquanto o governo prepara formas de enfrentar o que realmente está atrasando a indústria.

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