sexta-feira, 6 de agosto de 2010

O Mercosul e seus parceiros

Este assunto é muito árido, reconheço, aliás eu era um dos poucos acordados na platéia quando os especialistas em Mercosul proferiram aulas para minha turma. A questão básica reside no fato de comércio ser objetivo e pragmático e diplomacia onírica, conceitual e teórica. Dificilmente dimensões distintas vão além do mundo do dever ser.


A idéia gerada por FHC (sem nenhum proselitismo, muito menos simpatia) antevia, há quase quinze anos, o que a reportagem expõe acerca das relações dos países com a União Européia e EUA.

A questão está, também, em nossa baixíssima capacidade de exportar produtos de alto valor agregado. Confiamos demais em agricultura, pecuária, recursos minerais e muito menos em produtos acabados de indústrias terciárias ou de serviços. Assim, tirando-se o petróleo, todos os demais são mais competitivos na Europa, até o gás vem em fratura da Ásia e Rússia, sem falar no alinhamento doutrinário que nos faz pagar mais caro pela energia de Itaipu binacional e o gás boliviano.

Estamos perdendo terreno amigos. Nossa pauta de exportação precisa ter produtos diferenciados, para isso nossa educação precisa melhorar. Quem está adorando essa desvantagem progressiva é a China.

Enfim, a reportagem é mais um exemplo de que não conseguiremos lograr uma melhor posição na economia mundial tão cedo.     

O Mercosul e seus parceiros


Sem um acordo sequer com os grandes mercados do mundo rico, o Mercosul acaba de fechar seu segundo tratado de livre comércio fora da América do Sul. Desta vez o acerto foi com o Egito. O anterior foi com Israel. Há um acordo de preferências comerciais com a Índia, definido formalmente como primeiro passo na direção de um pacto de livre comércio. O entendimento com o Egito foi oficializado na cidade argentina de San Juan, na segunda-feira, no primeiro dia da reunião de ministros e presidentes do bloco. Foi um dos principais eventos de uma conferência sem grandes emoções.

A ministra de Indústria e Comércio da Argentina, Débora Giorgi, descreveu o acordo como um passo importante para o bloco, porque o Egito, com 76 milhões de habitantes, tem crescido com rapidez e alcançou no ano passado um PIB de US$ 187 bilhões. O chanceler Celso Amorim mostrou igual entusiasmo. Segundo nota do Itamaraty, o acerto com o Egito "reafirma o interesse dos países do bloco em negociar acordos comerciais ambiciosos".

O acordo pode ser interessante, mas a adjetivação usada pelos diplomatas brasileiros é um tanto exagerada. No ano passado, o Brasil exportou US$ 1,4 bilhão para o mercado egípcio e importou US$ 87,7 milhões. Os principais produtos exportados foram minério de ferro, açúcar, carne bovina congelada e aviões. As principais importações foram de fertilizantes e algodão. O autor da nota aproveitou para lembrar negociações com outros parceiros da região - Jordânia, Marrocos e países do Conselho de Cooperação do Golfo (Arábia Saudita, Bahrein, Catar, Emirados Árabes Unidos e Omã).
A parte final da nota é especialmente instrutiva para quem quer entender as atuais prioridades comerciais do Itamaraty e do Palácio do Planalto. Segundo a notícia, o Egito tem acordos de livre comércio com a União Europeia, a Turquia, o Mercado Comum da África Oriental e Austral e a Área de Livre Comércio Pan-árabe. Graças ao novo acordo, os países do Mercosul poderão exportar para o Egito com as mesmas facilidades já concedidas àqueles blocos e países.

Em outras palavras: o Brasil poderá competir com os países da União Europeia e com a Turquia pelo mercado egípcio. Mas o governo brasileiro e seus parceiros do Mercosul fizeram muito menos que o necessário, nos últimos dez anos, para competir com o Egito e a Turquia pela conquista de mercados na Europa.

Egípcios, turcos e vários países do Mediterrâneo têm acesso privilegiado à União Europeia, concorrendo vantajosamente com os brasileiros. Os negociadores do Mercosul deveriam ter trabalhado há muito tempo para eliminar essa diferença, mas objetivos como esse não se encaixam bem na sua concepção de comércio. O acordo com a União Europeia, em negociação há mais de dez anos, permaneceu emperrado por muito tempo, principalmente por causa de divergências entre Brasil e Argentina. As discussões foram retomadas e o acordo agora está próximo, segundo autoridades do Mercosul. Mas isso já foi dito em outras  ocasiões.

Os governos do Brasil e da Argentina tiveram o cuidado, pelo menos, de não enterrar as negociações com os europeus, como fizeram no caso da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). A liquidação da Alca dependeu muito mais de Brasília e Buenos Aires do que de Washington. Depois, o governo americano avançou em conversações com outros sul-americanos. Reação do Itamaraty: são acordos sem grande consequência, porque esses mercados são menos importantes que o brasileiro para os EUA. Como agora, os estrategistas de Brasília enxergaram o quadro de cabeça para baixo.

Com aqueles acordos, outros países sul-americanos teriam acesso preferencial ao maior mercado não só do hemisfério, mas do mundo, e ganhariam investimentos de empresas interessadas nessa vantagem. Empresas brasileiras também seriam atraídas. Além disso, esses países se abriram não só às indústrias americanas, mas também às de outros países, como a China. O Brasil perdeu de todos os lados. Só os estrategistas de Brasília parecem não perceber. 
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