Arqueólogos acabam de anunciar a descoberta de uma tumba antiquíssima, de milhares de anos antes de Cristo, o que não parece nada demais quando se trata da civilização egípcia. Contudo, a tumba tem um algo mais: ela está repleta de ilustrações coloridas que retratam o dia a dia de mais de 4 mil anos atrás, como se fosse uma crônica histórica em desenhos coloridos. É comum em restaurações de templos religiosos se localizar pinturas sacras seculares sob camadas de tintas, mesmo aqui no Brasil, como aconteceu, também há poucos dias, na Bahia. Trazendo essa história para cá, para nossos dias e aqui mesmo no Grande Recife, poderíamos imaginar um corte no tempo e a descoberta, num futuro distante, de “pinturas” de muros e fachadas de prédios no começo do século 21. Baseados apenas nelas, os estudiosos iriam ter dificuldade de entender o que era essa nossa “civilização”.
Essas “pinturas”, pichações que são espalhadas por toda parte, inclusive em lugares tidos como de dificílimo acesso e que exigem muito preparo físico de seus autores, são o retrato de época de uma cultura muito atrasada e sem identidade. Primeiro, agridem o espaço privado, sujando o que estava limpo com um custo financeiro. Segundo, expressam valores individuais sem qualquer compromisso com a estética. Simplesmente garranchos, linhas aleatórias, como se fosse uma tentativa de assinatura do seu autor, e no fim o que se tem é o que foi dito: sujeira, simplesmente. Não dá para fazer o mais remoto exercício de aproximação entre as “pichações” de grandes civilizações milhares de anos atrás e o que se pratica hoje, muitas vezes a pretexto de se democratizar a arte, de levá-la às ruas.
As pichações que são feitas apenas para sujar paredes – públicas e privadas – são uma doença urbana que está em toda parte, com alguns tratamentos que curam o mal e o transformam em alguma coisa parecida com aquela crônica histórica de 4 mil anos atrás no Egito. No lugar dos rabiscos indecifráveis, figuras, muitas cores, e em alguns casos chegamos próximos do movimento muralista mexicano, que nasceu com a revolução daquele país na primeira década do século 20. Claro, nossos artistas dos muros ainda estão alguns anos-luz distantes de grandes pintores populares, como Rivera e Siqueiros, mas o que se pratica é o modelo que eles deixaram: a possibilidade de fazer uma arte pública, coletiva, descritiva, como autênticas crônicas plásticas de um povo e de uma época.
Esse modelo, que já é visto em grandes centros urbanos brasileiros e do exterior, pode ser encontrado timidamente em algumas partes do Recife. Até já houve uma tentativa de torná-lo expressão poética, em alguns trechos próximos do Parque 13 de Maio, mas o movimento não se renovou e as pinturas estão em processo de desgaste, até que venham novos artistas ou simplesmente sejam cobertas com cal. Agora, porém, um exemplo no Recife nos traz alguma esperança de que nem tudo está perdido: a Escola Estadual Pintor Lauro Villares, da comunidade de Roda de Fogo, nos Torrões, está trocando os garranchos por cores vibrantes e poesias dos alunos e do cordelista Alexandre Costa, coordenador do Escola Aberta, um programa que funciona nos finais de semana, com atividades culturais.
Está se desenvolvendo ali uma atividade pedagógica que deveria fazer parte natural de todas as escolas de Pernambuco. Alguma coisa como lições de bom senso e bom gosto para crianças e jovens em formação. Que se deixam levar pelos protestos inconsequentes, pura e simplesmente, pela falta de orientações básicas, como deve ser a que forma o alicerce da educação a partir da casa e dos primeiros passos na escola. É preciso muito pouco para criar essa motivação, de onde se pode tirar até mesmo grandes vocações para a pintura, preservando-se o fundamental: a limpeza do espaço urbano, que é um patrimônio de todos.
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