Bolívar Lamounier
Para o filósofo alemão Carl Schmidt, verdadeiro líder político é aquele que sabe dividir o povo em dois campos mutuamente hostis. É o que sabe e não sente pudor algum em jogar uma parte contra a outra, fomentando a polarização e cuidando de tirar dela todo o proveito possível.
Schmidt foi um dos principais ideólogos dos regimes totalitários da primeira metade do século 20. Em 1933, ele se inscreveu formalmente no Partido Nazista. Sua marca inconfundível foi o mencionado conceito de política como uma polarização entre “amigos” e “inimigos”.
A idéia de que quem não está comigo, está contra mim. Que eu me recorde, o Brasil só veio a conhecer esse fenômeno na era Lula. Anteontem eu recapitulei aqui a estratégia lulista de transformar a eleição presidencial num confronto plebiscitário, governo contra oposição, sem ninguém no meio para “atrapalhar”.
Lula implementou essa estratégia com determinação, alguma truculência e até certo requinte, por exemplo quando obrigou Ciro Gomes a passar recibo de pateta .
Entre as regiões, Lula forçou outra vez a compactação do Nordeste contra o Sudeste e o Sul.
Mas o intento de polarizar a disputa entre dois campos não se limitou ao posicionamento dos partidos e das regiões. Estendeu-se aos planos social e cultural - ou do imaginário social, como se poderia também dizer.
Como vinha fazendo desde sempre, Lula não mediu esforços para reforçar a identificação dos setores de menor renda como “povo” ou como “pobres”, em contraste com a “elite” e os “ricos”.
E deixou para as últimas semanas da campanha a exibição de seu carro-chefe : ele e Dilma, grandes defensores do patrimônio público, contra a “sanha privatizante” dos tucanos, imputando-lhes inclusive a intenção de privatizar a Petrobrás e o pré-sal.
Antes que os petistas se agitem, faço aqui uma pausa para esclarecimentos. Eu não estou dizendo que Lula é nazista. Não estou vendo Dilma, José Dirceu e tutti quanti subindo uniformizados a rua, cada um com sua cruz suástica .
O que estou dizendo é que Lula e o PT, de modo geral - em parte por desconhecimento do passado e em parte por má-fé eleitoral – têm sistematicamente recorrido a símbolos e táticas que Carl Schmidt de bom grado aprovaria.
Contrapor o ”povo” e a “elite” , por exemplo. Povo e elite numa vaga representação simbólica, como entidades imaginárias, insucetíveis de definição precisa. Vaga como convém a uma simples marcação de distâncias e ressentimentos, com objetivo apenas eleitoral.
Eu até prefiro esse imaginário aparentemente revolucionário àquele servilismo típico do passado rural, mas a questão aqui é outra. O ponto a ressaltar é a grande mentira embutida nessa suposta “conscientização”.
Marx, Lênin e talvez a maioria dos comunistas, eles sim, levavam a sério a dicotomia “burguesia” X “proletariado”. Tinham uma fé inabalável na “luta de classes” como o motor da história.
Nada a ver com o que está ocorrendo no Brasil. Salvo por uma meia-dúzia de true believers, nem os petistas de carteirinha, nem os políticos do partido, e muito menos Dilma e Lula, acreditam nisso. Aqui se trata de manipulação eleitoral – em larga escala, é verdade -, com o objetivo de manter as rédeas do poder nas mãos do PT e de aliados menos imaginativos, como o PMDB.
A privatização, como já se notou, é umas das estrelas principais desse lastimável enredo. Lula e seus marqueteiros trabalharam com afinco até vê-la bem encaixada na engrenagem de sua propaganda eleitoral. Nós, os “amigos” defendemos o patrimônio público, a riqueza do Brasil para os brasileiros. Eles, os “inimigos”, querem vender tudo, até a Petrobrás e o pré-sal.
Meu post de ontem versou sobre este mesmo tema, mas com foco na Vale do Rio Doce. Não me limitei a indagar, o que já deveria ser suficiente, por que uma privatização supostamente tão maléfica para o país não foi revertida. Oito anos não foram suficientes para Lula cumprir o que afinal deveria ser o seu dever ?
Mostrei como o PT cuidou de abortar no Congresso, em 2007, um projeto de plebiscito para a eventual retomada e reincorporação da empresa ao Estado.
Fui um pouco além. Citando abundantemente o relatório, mostrei a distância sideral que separa uma avaliação séria de riscos, como a que o deputado José Guimarães (PT-Ceará) fez em 2007, e a medonha chantagem eleitoral que o lulismo vem impingindo pela TV ao distinto público.
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