Raphaël Gutmann* - Le Monde
A muito provável eleição de Dilma Rousseff à presidência do Brasil está sendo apresentada, pela maior parte da imprensa estrangeira, como um forte símbolo da emancipação feminina. Depois de terem eleito Lula, seu primeiro presidente saído do proletariado, os brasileiros inovariam novamente ao colocar, pela primeira vez, uma mulher em sua liderança. Essa eleição evidentemente seria celebrada no mundo democrático como um exemplo a ser seguido. Além disso, é preciso ressaltar que, entre os três principais candidatos no primeiro turno, duas eram mulheres, com o Partido Verde representado por Marina Silva.
Dilma e Marina obtiveram sozinhas 66% dos votos. Mas esse resultado significa que o Brasil deixou de ser machista? Em um país onde uma mulher negra ganha, em média, quatro vezes menos que um homem branco, a importância simbólica de sua liderança deve ser ponderada. A trajetória dessas líderes é, cada uma à sua maneira, a história de uma emancipação. Marina, vinda de um meio muito pobre e analfabeta até a adolescência, foi ministra do Meio Ambiente. Dilma, por sua vez, é uma “pioneira” da vida política brasileira: após ter se juntado à guerrilha contra a ditadura e passado vários anos na prisão, ela se tornou a primeira mulher a ocupar a função de ministra das Minas e Energia e a de Chefe da Casa Civil, o equivalente a um cargo de primeiro-ministro.
Todavia, a campanha eleitoral difundiu, em parte, uma imagem conservadora da mulher. A rejeição por parte das duas candidatas à legalização do aborto é uma prova tangível disso. Marina se posicionou, desde o início da campanha, como a representante dos evangélicos, cuja aparência e discurso sóbrios e puritanos ela adotou. Quanto a Dilma, sua postura foi surpreendente, vinda de uma ex-militante de extrema esquerda.
Como ela é conhecida por sua personalidade forte, os estrategistas do Partido dos Trabalhadores (PT) preferiram passar a imagem de uma mulher submissa a um homem: o presidente Lula. Diversas razões explicam essa decisão. Primeiramente, Lula escolheu uma novata eleitoral para sucedê-lo. Até então Dilma nunca havia se candidatado a nenhuma eleição e consequentemente não possui nenhum feudo político. Ela deve sua legitimidade e sua popularidade ao presidente que a consagrou. Sem essa figura tutelar, ela nunca teria sido escolhida pelo PT, ao qual só se filiou tardiamente. Na dupla Dilma-Lula popularizada pela propaganda do partido, é certamente o homem que conduz. Ao longo de toda sua campanha, Lula investiu em um papel ofensivo, respondendo aos ataques dos adversários no lugar de Dilma. Essa atitude deu a impressão de que ele teria dificuldade em passar o bastão a sua herdeira.
Um papel antinatural
Além disso, ao se tornar candidata, os assessores de comunicação incentivaram Dilma a se ater ainda mais à imagem tradicional da mulher brasileira para não intimidar uma sociedade que continua marcada pelo machismo. Para “se feminilizar”, ela recorreu à cirurgia plástica e adotou um guarda-roupa sofisticado. Essas transformações, que visam seduzir um eleitorado sensível à aparência, não são adotadas somente pelas mulheres, uma vez que Lula também recorreu aos mesmos artifícios para ser eleito em 2002.
A onipresença do presidente e as transformações físicas de Dilma provocaram o sarcasmo da oposição, que zombou dessa dupla atípica. Plínio de Arruda do PSOL a acusou de ser um produto político “inventado”, ao passo que José Serra do PSDB criticou Lula por “falar em seu lugar”. Dilma é apresentada por seus adversários como uma mulher fraca e incompetente, uma ideia infundada por todos aqueles que a acompanham há anos. Entretanto, ao conter sua personalidade, a candidata do PT pôde transmitir a imagem de uma mulher submissa. Esse papel antinatural e sua falta de espontaneidade certamente desviaram parte de seus votos, o que explica a realização de um segundo turno que parecia improvável alguns dias atrás.
*Raphaël Gutmann, consultor do Terra Cognita e professor afiliado na ESG Management School
Tradução: Lana Lim
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