sábado, 2 de outubro de 2010

Ex-sindicalista radical verá a ex-guerrilheira Dilma Rousseff ser eleita presidente do Brasil

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Ex-sindicalista radical verá a ex-guerrilheira Dilma Rousseff ser eleita presidente do Brasil

El País

O Brasil, o exemplo mais cabal de país emergente, o mais ocidental dos BRIC, um terço da população latino-americana e 40% de seu PIB, representante máximo junto com China e Índia da nova ordem internacional, realiza no domingo eleições presidenciais. Termina a era Lula, depois de dois mandatos de sucesso econômico e social, com uma forte diminuição da pobreza - que 19 milhões de brasileiros abandonaram desde 2003 - e a ampliação da classe média, que já beira os 90 milhões de habitantes, a metade da população.
Os mesmos êxitos que, em menor escala, se repetem no conjunto da América Latina, que entra em um círculo virtuoso de crescimento, estabilidade econômica e progresso social. Esquivou-se com danos menores da grande recessão. Quando cruza a fronteira do bicentenário de sua independência da coroa espanhola, começa-se a falar sobre o início da década latino-americana. Consolidação no político, superado o susto da volta dos golpes de Estado vivido na quinta-feira no Equador.
Enquanto isso, ao norte do rio Grande, os EUA, esgotados pelas guerras de Obama, Afeganistão e o câncer do Paquistão, já não são o país indispensável. Aparece "distraído estrategicamente", nas palavras de Richard Haas, presidente do Conselho de Relações Exteriores. Gastou US$ 1 bilhão na guerra contra o terrorismo desde 11 de setembro de 2001 (atentados islâmicos a Nova York e Washington). "Precisamos estar na corrida com a China, e não com a Al Qaeda", escreve Thomas Friedman no "New York Times". A secretária de Estado Hillary Clinton admite que a montanha de dívida acumulada ameaça a posição mundial dos EUA e transmite uma mensagem de fraqueza.
Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-sindicalista radical, menino pobre que foi engraxate e trabalhou como torneiro, verá Dilma Rousseff, guerrilheira em sua juventude, ser eleita a primeira mulher presidente do Brasil. Ele designou sua sucessora, modelou-a fazendo de Pigmaleão e ela previsivelmente continuará suas políticas ortodoxas. O presidente, que abraçou a globalização e o mercado, deixa o primeiro plano saudado pelo presidente Obama como "o político mais popular do mundo". Lula, que alguns comparam com Mandela no pavilhão dos santos laicos, sobe ao Corcovado, o pico de onde o Cristo Redentor abre os braços sobre a baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. É verdade que Lula construiu a decolagem econômica sobre as bases reformistas herdadas de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente se queixa da mistificação de Lula: "Eu fiz as reformas e ele surfou na onda". Mas admite que "é um Lech Walesa que funcionou". Abandonou suas receitas esquerdistas e teve a sensatez de não considerar que com ele começava a história.
Lula lembrou no "Financial Times", a bíblia do capitalismo, que "não é pequena ironia que o sindicalista que gritava nas ruas 'abaixo o FMI' se transformasse no presidente que pagou as dívidas do Brasil ao fundo e acabou lhe emprestando US$ 14 bilhões". O chamado "milagre Lula", 8% de crescimento previstos para este ano, se cimentou também em um duplo golpe de sorte: a descoberta em águas profundas do Atlântico de enormes campos petrolíferos, com reservas superiores às da Rússia ou do Kuwait, e o apetite desmedido de matérias-primas por parte da China e outros emergentes. O Brasil está construindo uma poderosa indústria de serviços petrolíferos, seguindo o exemplo da Noruega.
O mito Lula deve ser matizado pelas sombras de sua presidência: a corrupção, a desigualdade na distribuição da riqueza, o grande peso da economia subterrânea e o alto nível de violência. Com uma política externa desinibida, com amigos em Teerã, Havana e Caracas, sem pedir licença a Washington, compensou suas bases mais à esquerda pelas políticas liberais no econômico. Mas sobretudo é um aviso de que não é possível menosprezar o Brasil como protagonista de uma nova ordem internacional.
O economista Jim O'Neill, filho de um carteiro de Manchester, cunhou em 2001, no Goldman Sachs, o conceito BRIC: até 2041, Brasil, Rússia, Índia e China vão superar as seis economias ocidentais mais importantes. Ele teve essa ideia ao ver os atentados de 11 de Setembro. "Compreendi que era impossível que a globalização fosse a americanização no futuro. Para seu avanço, deveria ser aceita por mais gente, mas não impondo as estruturas dominantes e crenças sociais e filosóficas americanas". O'Neill acaba de ser elevado a presidente da Administradora de Ativos do Banco Goldman Sachs, que gerencia fundos no valor de US$ 802 bilhões. Uma história de sucesso, como a de Lula.
Luiz Roberto Mendes Gonçalves 
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