Bolívia e Colômbia entraram em rota de colisão envolvendo a escolha do representante da América Latina no Conselho de Segurança da ONU no período de 2011 a 2012. Em discurso vigoroso, o presidente Juan Manuel Santos disse que a Colômbia teria, como cacife, “longa e penosa experiência no combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas”. Tornou-se “modelo”, segundo Santos, nesse tipo de luta e contaria com méritos suficientes para ocupar o assento que ficará vago com o fim do mandato do México. O presidente da Bolívia, Evo Morales, reagiu dizendo que a Colômbia representa os Estados Unidos e os americanos ficariam com dois votos caso fosse ela a escolhida. Acabou sendo o Brasil.
A reação de Morales à pretensão de Santos não é o único caso de guerra de baixa intensidade entre países da América Latina, sem contar os arroubos de Hugo Chávez, que comprou US$ 4 bilhões de armas russas. O Peru recorreu à Corte Internacional de Justiça disposto a conseguir a devolução de partes de seu território incorporadas ao Chile em razão de vitória militar dos chilenos numa guerra no século 18, de 1879 a 1883. Derrota que ainda hoje provoca amarguras profundas nos peruanos. Os chilenos desembarcaram em praias da capital peruana, na primeira operação anfíbia da história militar. E ainda hoje existem em Lima vestígios da ocupação chilena.
A Bolívia foi aliada do Peru, perdeu Antofagasta e sua saída para o mar. Mas, 125 anos depois, assinou acordo com o Chile considerado histórico. O Chile concordou em dar livre trânsito à Bolívia no Porto de Iquique. Mas as relações entre Chile e Peru permanecem amargas e a Bolívia quer a devolução completa de seus territórios perdidos na guerra com o Chile. Tem havido war games (jogos de guerra) na região de Antofagasta, com participação de forças chilenas ao lado de forças de outros países, como Estados Unidos e Brasil. O Peru, embora sempre convidado, se recusa a participar. Chile e Peru compram armas. O presidente peruano Alan García anunciou investimentos de mais de US$ 500 milhões no Núcleo Básico de Defesa do Peru.
O anúncio foi feito depois que o ministro do Exterior peruano acusou o Chile de fomentar uma corrida armamentista na região. O Chile compra fragatas, submarinos e aviões de combate. Em visita à região o ex-presidente Jimmy Carter, dos Estados Unidos, propôs que os três países negociem um tratado trilateral. A proposta de Carter não foi adiante, mas ele continua insistindo. Há mesmo receio de que se deflagre uma corrida às armas de altos custos num continente açoitado pela pobreza. De certo modo, isso já estaria acontecendo. Chávez, por exemplo, compra armas na Rússia, não só para o aparato militar venezuelano — também para armar milícias que defendam seu projeto bolivariano.
O Peru neoliberal, firme aliado dos Estados Unidos, acusa Chávez de municiar a oposição ao governo peruano, de Alan García. Outro nicho de velhas disputas, envolvendo fronteiras no extremo sul do continente, volta a ser agitado. Ainda hoje, o Canal de Beagle tem linha divisória precária: de um lado, Chile; do outro, Argentina. Os dois países quase foram à guerra em passado recente, em meio a patriotadas conduzidas pelos generais no poder em Santiago e Buenos Aires. O Chile deu apoio logístico aos ingleses na Guerra das Malvinas. As relações entre Argentina e Chile voltam a ficar tensas com a recusa argentina em despachar para Santiago um chileno acusado de ter participado de atentado que matou um parlamentar chileno da extrema direita.
O casal Kirchner, no poder na Argentina, é acusado de substituir a diplomacia pela ideologia e de jogar por água abaixo anos de esforços por normalizar as relações entre os dois países. O governo chileno diz ainda que a rejeição por parte da Argentina é “retrocesso na agenda latino-americana dos direitos humanos”. As águas do Canal de Beagle voltam a agitar-se.
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