quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Previdência

          Distorções na previdência acirram desigualdade

Disparidade entre inss e regime do funcionalismo público impede melhor distribuição de renda, mostra estudo do IPEA

O Globo - 18/10/2010

 Uma caixa de surpresas ainda hoje, a Previdência Social reflete uma das maiores mazelas do país: a desigualdade de renda. Grandes distorções entre os valores pagos aos aposentados pelo INSS — que recebem o salário mínimo ou estão sujeitos a um teto máximo do benefício — e o regime próprio do funcionalismo público — no qual há benefícios e pensões sobre os quais pouco se sabe — são concentradores de renda.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), que compara a distribuição de renda do trabalho da sociedade à dos benefícios previdenciário, a convivência desses dois sistemas foi um dos principais responsáveis pela manutenção das diferenças entre os mais ricos e os mais pobres nas últimas duas décadas.

— Não há dúvida de que o regime próprio promove as maiores diferenças. No regime geral, as pessoas recebem praticamente o que contribuíram — disse Sergei Soares, do Ipea, responsável pelo estudo.

Servidor tem benefício médio de R$ 5.835. INSS, de R$ 657 Em 2009, o INSS registrou déficit de R$ 42,8 bilhões para atender a um público de 23,5 milhões de segurados. O valor médio do benefício, em dezembro daquele ano, foi de R$ 657,69. Já o regime de aposentadoria da União teve saldo negativo de R$ 47 bilhões — mas atendeu quase 96% menos pessoas. Os beneficiados foram 936.468 aposentados e pensionistas, o que inclui pessoal civil e militar, legislativo e judiciário.

Neste caso, o beneficio médio é de R$ 5.835 mensais, cerca de nove vezes mais do que o pago a segurados do INSS.

Há vários casos em que o benefício pode ser até mais de 22 vezes superior à média do INSS. E isso varia muito de acordo com o Poder. Estão nesta situação aposentadorias médias do Banco Central, do Legislativo, do Ministério Público e do Judiciário, que superam R$ 15 mil por mês.

O problema não para nas diferenças entre os tamanhos das aposentadorias. Especialistas dentro do próprio governo reconhecem que é difícil saber exatamente o tamanho das distorções.

Em tese, o Ministério do Planejamento responde pelas aposentadorias do Executivo, mas o Banco Central e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) rodam as suas folhas separadamente.

O mesmo ocorre com Tribunal de Contas da União, Senado e Câmara, além das três Forças Armadas. A Previdência recebe, por exemplo, dados fechados das pensões de militares — cujos detalhes são tratados sob sigilo.

Regime do funcionalismo é ‘cheio de caixas-pretas’ Para Soares, “o sistema é cheio de caixas-pretas”.

— Quanto maior o benefício, maior a caixa-preta.

As Forças Armadas têm ainda regras diferenciadas (30 anos de contribuição, somando tempo de escolas e licenças especiais não gozadas dobradas), o que faz muitos irem para a reserva com pouco mais de 40 anos.

Outra distorção é o fato de pensões e aposentadorias poderem ser acumuladas. Ou seja, se a viúva de um militar ou de um servidor público é também filha de militar, tem direito a duas pensões. O gasto total do regime de aposentadoria das três Forças é de R$ 33,8 bilhões por ano, com déficit crescente na casa dos R$ 6 bilhões até 2038, quando se aproximará de R$ 10 bilhões. Após esta data, a tendência é de queda, com o fim da pensão vitalícia para as filhas de militares que ingressaram a partir de 2001.

O documento do Ipea esmiuça separadamente as diferenças da distribuição de renda no universo daqueles que recebem as aposentadorias e pensões corrigidas pelo salário mínimo e daqueles que têm benefícios que não são indexados ao piso.

Olhando-se os gráficos de cada um, Soares compara a curva de distribuição e, por uma fórmula matemática, chega a números que variam de -1 — distribuição de renda perfeita — a +1 — o cenário de maior desigualdade.

As diferenças são gritantes. A distribuição da renda do trabalho melhorou de 1995 até 2009, saindo de 0,61 para 0,57. No caso da Previdência, o quadro é completamente diverso. Após algumas reformas mais simples na “Era Fernando Henrique Cardoso” e outras mais amplas na “Era Lula”, as diferenças até pararam de crescer. Mas a distribuição ainda não começou a melhorar.

O indicador foi de 0,58 em 1995, atingiu o teto de 0,60 em 2000 e manteve-se em 0,56 desde 2008.

O maior problema é que dentro da Previdência os rendimentos são muito desiguais. Enquanto o indicador para quem ganha um salário mínimo está em 0,09, mais perto do equilíbrio, o índice para os benefícios que não são corrigidos pelo piso salta para 0,72, ou seja, perto do teto do cenário mais desigual.

Desigualdade poderia ter caído a partir dos anos 90 Soares vai mais longe e garante que as diferenças entre os mais ricos e os mais pobres já teriam começado a cair na década de 90 não fossem as pensões do chamado regime próprio, aquele que paga os benefícios a funcionários públicos.

— A renda do trabalho começou a ser mais igual na década de 90. Os benefícios da Previdência superiores a um salário mínimo, que compõem esta renda, foram fator concentrador.

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