Le Monde
Jean-Pierre Langellier
No Brasil, por trás de uma mulher havia outra. No primeiro turno das eleições presidenciais, a candidata do Partido Verde, ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, 52, surgiu com força na última hora, para surpresa geral. E para desgosto da grande favorita, Dilma Rousseff, 62, candidata do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, obrigada a disputar um segundo turno antes de uma possível vitória, no dia 31 de outubro, sobre seu principal adversário, o social-democrata José Serra, 68.
A história de Marina lembra a de Lula. Vinda de uma família numerosa e muito pobre - onze filhos, dos quais oito sobreviveram à miséria e à malária -, ela, assim como ele, forjou seu destino com coragem, inteligência e tenacidade. E talvez com ainda mais mérito, por ser mulher e negra.
Ela nasceu em 1958, em uma pequena comunidade de seringueiros, no Estado amazônico do Acre. Aos 11 anos, começou a trabalhar com seu pai. Saíam ao amanhecer e voltavam para casa doze horas mais tarde. Para proteger Marina dos vigaristas, seu pai lhe ensinou a contar.
Aos 14 anos, após a morte de sua mãe, ela foi até Rio Branco, capital do Estado, para tratar uma hepatite; trabalhou como doméstica e frequentou um curso de alfabetização. Sentiu a vergonha da ignorância e depois o orgulho da boa aluna. Na universidade, descobriu o marxismo, decidiu lecionar História e militou contra a ditadura. Ela se lançou na ação sindical ao lado de Chico Mendes, o líder seringueiro que seria assassinado em 1988 por pistoleiros a mando de um grande fazendeiro. Vereadora sob a bandeira do PT (Partido dos Trabalhadores) criado por Lula, e depois membro da Assembleia Legislativa local, ela se tornou aos 35 anos a mais jovem senadora na história do Brasil.
Aprendeu que suas doenças crônicas resultavam de uma contaminação por mercúrio, que a obriga até hoje monitorar de perto sua saúde. Essa descoberta reforçou suas convicções ambientalistas. Em 2002, foi o primeiro membro do governo escolhido por Lula, recém-eleito presidente.
Como ministra, ela lutou contra o lobby do agronegócio, poderoso no Parlamento. Resistiu, em vão, à soja transgênica e à construção de usinas hidrelétricas. Mobilizou-se pela proteção da Amazônia e limitou o desmatamento.
Mas Lula muitas vezes a “abandonou”, para acelerar a implantação de grandes projetos apadrinhados por Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil desde 2005. Marina Silva pediu demissão em 2008, com resultados mistos. Ela deixou o PT, filiou-se ao Partido Verde (PV) e entrou na disputa presidencial.
Marina tem como trunfos sua integridade, sua retidão moral e sua coerência política. Ela critica o nepotismo, a troca de favores, a corrida pelos ministérios, esses hábitos da “velha política”. Com sua voz suave e calma, fiel a seus princípios, ela encarna uma abordagem política onde a “autoridade dos argumentos” substituiria os “argumentos da autoridade”.
Mãe de quatro filhos resultantes de dois casamentos, Marina Silva é uma personalidade contrastante, politicamente progressista e socialmente conservadora. Cristã fervorosa, membro da Assembleia de Deus - principal Igreja evangélica do Brasil - ela gostaria, por exemplo, de ver o Criacionismo sendo ensinado nas escolas particulares da mesma forma que a teoria darwiniana da evolução das espécies.
Marina Silva mirou longe, bem além de seu novo partido, em um eleitorado heterogêneo. Ali se encontram os “Verdes-verdes”, núcleo dos militantes ambientalistas; os “Verdes-vermelhos”, jovens urbanos em busca de utopia ou decepcionados com o “lulismo”, as intrigas e os corruptos do PT; os “Verdes-azuis”, católicos ou evangélicos que compartilham dos valores cristãos da candidata. Estes últimos incrementaram o resultado de Marina Silva em detrimento de Dilma Rousseff, acusada injustamente pelas Igrejas de querer legalizar o aborto, proibido no Brasil. Marina Silva nega ser “fundamentalista”. O aborto? Ela diz ser um problema complexo, que deve ser abordado sem demonizar ninguém. Diferentemente da Igreja católica, que se recusa a debater o assunto, ela propõe que seja realizado um referendo a respeito.
Enriquecida por sua promissora derrota, “graças a Deus e ao povo brasileiro”, Marina Silva quer agora “voltar para a sociedade”, mostrar um “novo caminho”, militar por uma reforma do sistema político. Por enquanto, ela obrigará os dois candidatos a “verdejarem” seus discursos. Ela lhes apresentou cerca de quarenta propostas nesse sentido.
O que farão seus eleitores no dia 31 de outubro? Segundo pesquisa do jornal Folha de S.Paulo, um em cada dois votaria em José Serra, um em cada cinco em Dilma Rousseff. Marina Silva não se considera “dona” de seus votos. Ela dá a entender que permanecerá neutra, e se diverte ao observar que toda a classe política parece estar sendo tomada por uma febre ecológica.
Lula, sem hesitar, proclama que o segundo turno das eleições é “uma benção de Deus”. Ele chama Marina de “camarada extraordinária”. Já Dilma Rousseff “se apropria” de sua rival, usando uma aritmética implacável: “Se somarmos meus votos aos da Marina, veremos que 67% dos brasileiros querem uma mulher presidente”.
Tradução: Lana LimA história de Marina lembra a de Lula. Vinda de uma família numerosa e muito pobre - onze filhos, dos quais oito sobreviveram à miséria e à malária -, ela, assim como ele, forjou seu destino com coragem, inteligência e tenacidade. E talvez com ainda mais mérito, por ser mulher e negra.
Ela nasceu em 1958, em uma pequena comunidade de seringueiros, no Estado amazônico do Acre. Aos 11 anos, começou a trabalhar com seu pai. Saíam ao amanhecer e voltavam para casa doze horas mais tarde. Para proteger Marina dos vigaristas, seu pai lhe ensinou a contar.
Aos 14 anos, após a morte de sua mãe, ela foi até Rio Branco, capital do Estado, para tratar uma hepatite; trabalhou como doméstica e frequentou um curso de alfabetização. Sentiu a vergonha da ignorância e depois o orgulho da boa aluna. Na universidade, descobriu o marxismo, decidiu lecionar História e militou contra a ditadura. Ela se lançou na ação sindical ao lado de Chico Mendes, o líder seringueiro que seria assassinado em 1988 por pistoleiros a mando de um grande fazendeiro. Vereadora sob a bandeira do PT (Partido dos Trabalhadores) criado por Lula, e depois membro da Assembleia Legislativa local, ela se tornou aos 35 anos a mais jovem senadora na história do Brasil.
Aprendeu que suas doenças crônicas resultavam de uma contaminação por mercúrio, que a obriga até hoje monitorar de perto sua saúde. Essa descoberta reforçou suas convicções ambientalistas. Em 2002, foi o primeiro membro do governo escolhido por Lula, recém-eleito presidente.
Como ministra, ela lutou contra o lobby do agronegócio, poderoso no Parlamento. Resistiu, em vão, à soja transgênica e à construção de usinas hidrelétricas. Mobilizou-se pela proteção da Amazônia e limitou o desmatamento.
Mas Lula muitas vezes a “abandonou”, para acelerar a implantação de grandes projetos apadrinhados por Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil desde 2005. Marina Silva pediu demissão em 2008, com resultados mistos. Ela deixou o PT, filiou-se ao Partido Verde (PV) e entrou na disputa presidencial.
Marina tem como trunfos sua integridade, sua retidão moral e sua coerência política. Ela critica o nepotismo, a troca de favores, a corrida pelos ministérios, esses hábitos da “velha política”. Com sua voz suave e calma, fiel a seus princípios, ela encarna uma abordagem política onde a “autoridade dos argumentos” substituiria os “argumentos da autoridade”.
Mãe de quatro filhos resultantes de dois casamentos, Marina Silva é uma personalidade contrastante, politicamente progressista e socialmente conservadora. Cristã fervorosa, membro da Assembleia de Deus - principal Igreja evangélica do Brasil - ela gostaria, por exemplo, de ver o Criacionismo sendo ensinado nas escolas particulares da mesma forma que a teoria darwiniana da evolução das espécies.
Marina Silva mirou longe, bem além de seu novo partido, em um eleitorado heterogêneo. Ali se encontram os “Verdes-verdes”, núcleo dos militantes ambientalistas; os “Verdes-vermelhos”, jovens urbanos em busca de utopia ou decepcionados com o “lulismo”, as intrigas e os corruptos do PT; os “Verdes-azuis”, católicos ou evangélicos que compartilham dos valores cristãos da candidata. Estes últimos incrementaram o resultado de Marina Silva em detrimento de Dilma Rousseff, acusada injustamente pelas Igrejas de querer legalizar o aborto, proibido no Brasil. Marina Silva nega ser “fundamentalista”. O aborto? Ela diz ser um problema complexo, que deve ser abordado sem demonizar ninguém. Diferentemente da Igreja católica, que se recusa a debater o assunto, ela propõe que seja realizado um referendo a respeito.
Enriquecida por sua promissora derrota, “graças a Deus e ao povo brasileiro”, Marina Silva quer agora “voltar para a sociedade”, mostrar um “novo caminho”, militar por uma reforma do sistema político. Por enquanto, ela obrigará os dois candidatos a “verdejarem” seus discursos. Ela lhes apresentou cerca de quarenta propostas nesse sentido.
O que farão seus eleitores no dia 31 de outubro? Segundo pesquisa do jornal Folha de S.Paulo, um em cada dois votaria em José Serra, um em cada cinco em Dilma Rousseff. Marina Silva não se considera “dona” de seus votos. Ela dá a entender que permanecerá neutra, e se diverte ao observar que toda a classe política parece estar sendo tomada por uma febre ecológica.
Lula, sem hesitar, proclama que o segundo turno das eleições é “uma benção de Deus”. Ele chama Marina de “camarada extraordinária”. Já Dilma Rousseff “se apropria” de sua rival, usando uma aritmética implacável: “Se somarmos meus votos aos da Marina, veremos que 67% dos brasileiros querem uma mulher presidente”.
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