segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Queremos proteger a biodiversidade?

A retensão do cidadão em suas regiões de origem contribuem, sobremaneira, para que o esgotamento da biodiversidade, sobretudo nos bolsões marginais das grandes cidades, seja refreado, ao menos. Contudo, manter-se lá o home, requer investimentos em infra-estrutura de vias de circulação e de transporte e, sobretudo, de provimento de energia elétrica. 
O próprio desenvolvimento de centros de comércio, serviços e indústrias que gerarão postos de trabalho e não compelirão o cidadão a abandonar suas origens, geram impactos ambientais significativos. 
Assim, a equação pode, até, ser complexa, todavia, colocando-se outros fatores na equação, tais como educação e diminuição da violência urbana, apenas como singelos exemplos, fazem com que vejamos a proteção ambiental com reservas. 
De toda sorte, em um país, em plena segunda década do século XXI que tem mais da metade de suas moradias sem saneamento adequado, faz-nos ver o quão distante estamos de tudo o que é básico e coerente, mercê do aumento de renda tão comemorado e fartamente registrado nas urnas.
.
.Queremos proteger a biodiversidade?
Luiz Fernando Krieger Merico - Valor Econômico - 04/10/2010

Haverá neste mês mais uma Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica (CoP da CDB), assinada em 1992 junto com as convenções do clima e desertificação. Será a 10ª CoP da CDB, desta vez na cidade de Nagoya, Japão. A importância desse momento para a proteção da biodiversidade levou a Organização das Nações Unidas (ONU) a declarar 2010 o Ano Internacional da Biodiversidade. Entretanto, os níveis de destruição dos suportes de vida no planeta nos fazem questionar se queremos ou não manter os serviços ambientais oriundos da biodiversidade e que, em última instância, mantém todo o funcionamento de nossa sociedade.

Considerando que a oferta de água e regulação climática dependem da biodiversidade, me parece que a sociedade não percebe essa relação e não a entende ou, de fato, não lhe dá importância.

Em 2002, a Convenção da Diversidade Biológica da ONU, que reúne praticamente todos os países do planeta, aprovou um conjunto de 21 metas para reduzir drasticamente a perda da biodiversidade até 2010. Recentemente, um relatório da própria Nações Unidas preparado especialmente com o fim de avaliar o cumprimento das metas - o Global Biodiversity Outlook 3, ou GBO-3 - demonstrou que nenhuma das metas foi alcançada. O relatório detalha o contínuo declínio da biodiversidade em todos os três de seus principais componentes, ou seja, genes, espécies e ecossistemas. Pior: as tendências são todas de agravamento da erosão da vida e das estruturas que a suportam e nossos investimentos revelam que não desejamos mudar o quadro.

Ao analisar os investimentos dos países em proteção ambiental, o já falecido economista ambiental David Pearce, fez esta pergunta: queremos realmente proteger a biodiversidade? Se tomarmos os investimentos públicos do Brasil, municípios, estados e união, a resposta seria claramente não. Em recente levantamento para a Cepal/ONU para o período de 1996 a 2008, somando os gastos ambientais aos gastos de saneamento (água e esgoto) nos três níveis da federação encontramos uma média de 0,38% do PIB para esses investimentos. Se considerarmos apenas os gastos em manutenção ou recuperação da biodiversidade e seus serviços, chegaríamos a valores impressionantemente inferiores a isso.

Em escala global, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) contabilizou um fluxo total anual de US$ 7 bilhões para a conservação da biodiversidade. Ora, somente as unidades de conservação já criadas - apenas uma parcela dos trabalhos de conservação - exigiriam US$ 14 bilhões para o seu correto manejo. Uma rede minimamente necessária de unidades de conservação em nível global exigiria US$ 45 bilhões. E vejam que proteger a biodiversidade nos convoca a pensar muito além de unidades de conservação...

A mesma UICN contabiliza ao menos US$ 500 bilhões destinados a subsídios perversos todos os anos mundialmente. Subsídios para, em grande parte, destruir a natureza, tal como os subsídios para a indústria de petróleo, agricultura intensiva e pesca intensiva. Será que não conseguiríamos desviar ao menos uns 10% desses subsídios perversos para torná-los virtuosos? Neste caso, os US$ 50 bilhões gerados corresponderiam à lacuna de recursos necessários à implantação das decisões da CDB. Não nos faltam recursos. Falta visão de como investir. Falta visão de futuro.

Neste ano de 2010, a CoP da CDB volta a discutir metas, agora para 2020. Infelizmente, se não alterarmos nosso enfoque nessa questão, não teremos sucesso novamente. Não sei se podemos nos dar ao luxo de continuar a desprezar nossa necessidade vital dos serviços ambientais. Dependemos desta vez, para levar realmente a sério a proposta de aprovar novas metas, de alterar nosso comportamento em três direções: uma mudança profunda nos processos de produção e consumo adequando bens e consumo à realidade dos ecossistemas; a introdução ampla de critérios de proteção ambiental nos setores econômicos mais impactantes transformando agricultura, pecuária, produção de energia, construção civil, mineração; e investir em processos de restauração florestal e de biomas como forma de recuperar parte do que já perdemos. Todas estas três premissas são mecanismos geradores de crescimento econômico, emprego e renda. É claro que isso é uma nova economia que tem que ser alimentada.

Enquanto esperamos e pressionamos por alterações em nosso modelo de desenvolvimento econômico podemos dar uma boa mãozinha ao processo de transformação alterando nossos hábitos de consumo. Isso ajuda a pressionar a cadeia produtiva para cima, ou seja, alterando positivamente também os processos produtivos. E finalmente, melhorando nossa relação com a biodiversidade.

Queremos ou não que a natureza seja nossa parceira no fornecimento dos serviços ambientais que permitem nossa existência? O tempo de dizer sim está se esgotando rapidamente.

Luiz Fernando Krieger Merico, coordenador Nacional da UICN no Brasil, é doutor em Geografia pela USP e autor de "Economia e sustentabilidade: o que é, como se faz". Editora Loyola.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps