Crise na França alerta para a urgência de o Brasil mudar aposentadorias
Ao evitar assuntos capazes de produzir desgaste, os candidatos à Presidência da República passam longe de um dos mais graves problemas do país: a Previdência Social. Varrida para debaixo do tapete, a questão das aposentadorias, suas enormes injustiças e o desencontro crônico entre as receitas e as despesas do sistema são desafio que, quanto mais é adiado, pior fica e mais graves são as consequências de seus desacertos. As gigantescas manifestações que atualmente tomam as ruas de Paris e paralisam várias atividades em toda a França são um aviso de que a sensibilidade em torno da questão previdenciária aumenta na razão direta da postergação de seu enfrentamento. O governo francês tenta aprovar um projeto de reforma para reduzir a pressão dos gastos da previdência sobre o orçamento do país. Entre as mudanças, a mais combatida nas ruas é a ampliação de 60 para 62 anos da idade mínima para a aposentadoria.
O caos na França comprova que a questão previdenciária é problema que afeta países em todos os estágios de desenvolvimento. Mas o que o mau exemplo francês também ensina é que o preço a pagar por evitar o desgaste político de buscar consenso em torno de soluções é alto e politicamente caro. A França, como seus sócios na União Europeia, viveu anos recentes de grande prosperidade. Se tivesse aproveitado a bonança para implantar reformas, não estaria sendo obrigada a aplicar remédio amargo em hora em que não faltam apertos e incertezas em todas as grandes economias do mundo. No Brasil, não faltam sinais de que estamos perdendo tempo precioso. Com a economia em expansão, em ritmo de 7% em 2010 e de não menos do que 4,5% nos próximos dois anos, o nível de emprego permanece elevado e, melhor ainda, o aumento da formalidade (carteira assinada) tende a ser mantido. O crescimento do mercado interno deve garantir bom ritmo da atividade econômica nos próximos anos.
Ao assumir o comando do país, ungido por urnas democráticas, quem conquistar a Presidência da República terá força para comandar uma reforma digna do nome, desde que a faça nos primeiros meses. Motivos não faltam. Já beira os R$ 90 bilhões o déficit previdenciário estimado para este ano, somados o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) – Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – e o de aposentadoria da União. E essa conta bate sempre na porta do Tesouro Nacional. É tempo de enfrentar a realidade de que estamos construindo o pior dos mundos: de um lado, retiramos muito do contracheque do trabalhador, do caixa do empregador, que cumpre a lei e também do erário; de outro, pagamos aposentadorias que, no caso do INSS, têm valor médio de R$ 657, humilhando quem contribuiu toda uma vida para o sistema. Ao mesmo tempo, sustentamos déficit ainda maior, provocado pelo pagamento de benefícios aos inativos do serviço público federal, no valor médio quase 10 vezes maior (R$ 5.835). Além disso, a expectativa de vida do brasileiro médio já ultrapassa os 73 anos e tende a subir. A hora é propícia e o problema é grave. Deixar de enfrentá-lo por mera orientação de marketing político será dar contribuição para agravar distorções, o déficit e um mar de injustiças.
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