segunda-feira, 11 de abril de 2011

Tiro à ararinha

RUY CASTRO
FOLHA DE SÃO PAULO 

"Rio", o desenho animado americano, mal estreou e já foi cobrado pelo que omitiu na tela. Ouvi resmungos de que o filme, uma esfuziante celebração da cidade, deixou de fora as mazelas, e que tudo nele é cartão-postal -o céu, o mar, o recorte das montanhas, as praias, o humor do carioca, as mulheres, a arquitetura. Não tem guerra de facções, nem batidas no morro, nem balas perdidas, nem mesmo bueiros explodindo.

Incrível como somos rigorosos. Quando se trata do nosso quintal, exigimos realismo e criticamos o estrangeiro que nos enxerga de forma ingênua e positiva. Já quando se trata desse estrangeiro e do que ele nos apresenta de si próprio, somos mais lenientes. Quando Woody Allen rodou "Manhattan", em 1979, Nova York estava no auge da falência, sujeira, violência, insegurança e corrupção. Mas a NY que Woody mostrou foi um cenário de conto de fadas. E por que não? Afinal, "aquela" Manhattan também existia.

Cobra-se a falta de mazelas em "Rio", mas não se cobrou a falta dos cartões-postais em filmes de exploração da violência, como "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite". No entanto, enquanto os tiroteios cruzavam a tela, os cartões-postais continuavam intocados na vida real e habitados pela maioria da população do Rio, que não vivia a "realidade" daqueles filmes.

Temos agora nova queixa: na trilha sonora de "Rio", não se ouve o "pancadão" do funk -como se este já fosse a nova música oficial da cidade, silenciando o samba, o choro e a bossa nova. Bem, em 1979 as ruas de Nova York estavam infestadas de disco music, break e hip-hop. Mas, para a trilha sonora de "Manhattan", Woody preferiu usar 13 melodias de George Gershwin, de ""S Wonderful" a "Rhapsody in Blue". Alguém se queixou?

O que a turma quer? A ararinha-azul abatida a tiros de fuzil ao sobrevoar a Rocinha, ao som da Tati Quebra-Barraco?
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