domingo, 17 de janeiro de 2010

Haiti: país que nunca conheceu a ordem

Durante um seminário sobre o Haiti, em novembro de 2006, em Washington, USA, o ex-chefe da representação militar, um general chileno, e o ex-representante da ONU iniciaram suas preleções com o seguinte auxílio à instrução: Projetaram a foto de uma criança de dois anos de idade, andando em meio ao lixo de um grande depósito e exclamaram: Se o mundo desenvolvido ajudar a tornar o Haiti sustentável, talvez os netos desta criança possam ter uma vida digna.
Para os amigos terem uma razoável dimensão do que venha a ser o Haiti, segue um texto de uma pesquisadora.


Haiti: país que nunca conheceu a ordem

Escrito por Hemanuelle Bezerra, historiadora do Haiti+

Disputas políticas e revoltas populares permeiam a história do país mais pobre do Ocidente. A atual situação do Haiti foi construída a partir de sua história, que mostra a falta de governo e a desunião do povo.
Diogo Silva Batista, soldado do Exército Brasileiro, participou da missão de paz que o Brasil lidera no país e ficou chocado com a desigualdade social da população. “A gente pensa que a desigualdade social no Brasil é imensa. É grande, mas lá não existe sequer um pobre nestes bairros patrulhados no Haiti. São todos miseráveis. Ou miseráveis ou ricos. Não há uma classe intermediária. E não há convivência entre um extremo e outro.” E foi assim desde o início.
O Haiti foi descoberto por Cristóvam Colombo em 1492. A colonização espanhola escravizou os nativos na produção agrícola e cerâmica. Ainda neste período, o país sofreu muita influência da França, que assinou em 1697 um tratado com a Espanha, no qual obteve o controle do Haiti. A população nativa praticamente desapareceu por conta da força das doenças. Os franceses trouxeram escravos africanos para trabalharem na lavoura açucareira que crescia no país. Por volta de 1780, viviam na colônia cerca de 500 mil negros, 24 mil mestiços e 32 mil brancos. Neste período, o Haiti, comparando o seu território e sua rentabilidade com os das outras colônias das Américas, poderia ser considerado umas das colônias mais ricas no continente. Por isso, o país era chamado de  a “pérola das Antilhas”.Toussaint_L'Ouverture
O Haiti foi ainda o primeiro país latino americano a declarar independência. A população escrava, com uma imensa superioridade numérica, sob a liderança do escravo Mackandal, desencadeou em 1754 a revolta que resultaria em quatro anos de guerrilha. Mackandal utilizou os ritos de vodu para aterrorizar a classe branca. Desde este primeiro rebelde à Revolução Francesa, inúmeras revoltas aconteceram. Os negros receberam apoio e financiamento dos ingleses e espanhóis, inimigos da França. Toussaint l’Ouverture, um escravo negro que aprendera a ler e adquirira certa cultura intelectual liderou a revolução. Em 1794, a França declarou a abolição da escravidão nas colônias, conseguindo que Toussaint passasse a apoiar as autoridades francesas.
Toussaint ganhou prestígio entre os negros e os brancos.  Em 1801, após derrotar os ingleses e espanhóis, Toussaint preparou a independência do Haiti como um estado associado à França revolucionária. Mas Napoleão Bonaparte, que estava comandando o novo governo revolucionário francês, rejeitou a proposta e tentou recuperar a colônia rica.  Toussaint foi levado para a França, onde morreu prisioneiro por traição. Um dos generais dele, o ex-escravo e analfabeto Jean-Jacques Dessalines, continuou a revolução e conseguiu expulsar as tropas francesas. A proclamação da independência do Haiti ocorreu em 1º de janeiro de 1804. Os espanhóis ainda dominavam a parte leste do país. A unificação só ocorreu em 1820.
Desde a unificação até 1843, o país esteve sob o governo do ditador Jean-Pierre Boyer. A partir daí, o caos começou a se instalar no país. Foram vinte e um governantes. Um deles, Faustin Soulouque, nomeou-se imperador, instaurou novamente as práticas de vodu e conquistou a República Dominicana. O país vizinho reagiu e levou à derrocada do governo de Soulouque. Em 1905, os Estados Unidos intervieram, a fim de cobrar a dívida externa e passaram a dominar as alfândegas. Dez anos depois, os EUA levaram suas tropas ao país e assumiram o governo.
Em 1934, os EUA retiraram suas tropas e, em 1941, abdicaram do controle alfandegário. Daí então inúmeras revoltas populares e golpes de Estado aconteceram seguida por três ditaduras. A história recente do Haiti repete o caos do passado.  De 1950 a 1957, o país foi governado por Raoul Magloire, que deu direito aos cidadãos de votar, mas decidiu permanecer no poder, com a ajuda militar. Até que o novo ditador chegasse ao poder, foram sete governantes.
François DuvalierCom a ditadura de François Duvalier, o Haiti sofreu seu pior período. Ele era médico e  sanitarista, reconhecido e prestigiado mundialmente, por conta de seu envolvimento com o movimento negro. Seu trabalho de combate à malária nas áreas rurais o tornou conhecido como Papa Doc (papai médico). Mas a repressão militar que trouxe ao país apagou a sua boa fama. Após sua morte, em 1971, seu filho Jean Claude Duvalier, o Baby Doc, assumiu o poder aos 19 anos e deu continuidade ao regime de terror imposto pelo pai. Jean Claude foi deposto em 1986 por um golpe militar.
A redemocratização só ocorreu em 1990, quando a população elegeu o padre Jean Bertrand Aristide para presidente. Mas outro golpe militar instaurou nova ditadura. Aristide só retornou ao poder, com auxílio dos Estados Unidos, em 1994. Mas a miséria já estava instalada no país. O padre permaneceu no poder até janeiro de 2004, quando a ala rebelde fez inúmeros mortos na capital do país, Porto Príncipe. A ONU interveio em fevereiro e o presidente fugiu para a África do Sul. A missão de paz da organização conta com inúmeros países. A chegada dos soldados brasileiros ao país coincidiu com o início da estabilização, como conta Diogo Batista, que esteve no país entre novembro de 2007 a junho de 2008:
“Quando o meu contingente chegou, a situação no país já havia melhorado muito. Alguns soldados remanescentes contavam sobre as dificuldades de levar ajuda. Os aviões com os suprimentos nem conseguiam pousar. Eram interceptados, sequestrados pelas gangues que saqueavam e tentavam vender muitos produtos trazidos pela ajuda. Na minha época, isso já não acontecia com muita frequência. Os bairros onde eu fazia patrulha ainda tinham muitas gangues, mas elas não estavam tão organizadas quanto antes e era fácil prendê-los”.
Quando o Haiti começou a conhecer um pouco de ordem, um terremoto devastador levou o país a um novo caos. As autoridades internacionais presentes no país temem novas revoltas da população que está, em grande parte, desabrigada, sem água, luz e alimentação.

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