quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Internet também cria marginalizados sociais

Amigos, fiz questão de colocar a notícia inteira no post para consultas posteriores sob o "tag - exclusão digital".


Esta análise foi discutida em sala de aula com o Prof Dr Emiliano da American University e fiquei impressionado com a desigualdade de acesso bem ali, próximo à Instituição onde estudava, às margens do rio Anacostia.


De fato, comprovei que o setor a leste do Congresso, tanto ao norte como ao sul, às margens do Anacostia, a pobreza é bem significativa e o PIB é bem diferente. Vê-se, inclusive, no padrão de lojas de alimentos e de variedades.


Uma crítica do professor era a de que tal tendência não tinha retorno e que se o governo não se adiantasse estas pessoas ficariam à margem do desenvolvimento causando problemas sociais no futuro.


No nosso caso há uma vantagem para se conter esta tendência: Nossa cultura do cartorialismo que, aliada a necessidade de se gerar postos de trabalho, via de regra por concurso público, amaina, um pouco, esta tendência de se informatizar o acesso aos serviços públicos.


O tema, aliado à questão do envelhecimento populacional, merece ser acompanhado.





David Alandete
A divisão digital se alimenta de pobres, de idosos e da população rural, sem acesso a serviços que se mudaram para o ciberespaço


Na revolução da Internet, que hoje chega aos telefones celulares, às telas de televisão e até aos aviões, uma boa parte da população ficou desprezada. Há idosos que não entendem o que é um navegador. Existem regiões pobres, rurais e urbanas, que não dispõem dos cabos necessários para oferecer banda larga. E há jovens que dominam perfeitamente os programas de bate-papo e as redes sociais, mas não sabem como enviar um currículo em boas condições através do correio eletrônico. São os marginalizados da rede, e diante de uma tecnologia em rápida mutação correm o risco de ficar para trás.


Richard Brock é um deles. Esse morador de Washington, de 65 anos, dedicou toda a sua vida ao salão de cabeleireiro e se considera um analfabeto digital -a comprovação empírica de que a célebre divisão digital existe. "Eu pensava que para ligar um computador era preciso tirar o plástico com que vinha enrolado", brinca. "Percebi que a Internet se torna necessária para as pessoas da minha idade, para organizar o trabalho da igreja, consultar serviços da prefeitura, manter contato com parentes e amigos."


E não só para isso. Diante da grave crise econômica que vivem os EUA, Brock, já aposentado, procura trabalho. "E para isso é preciso entender de computadores e de Internet." Para um idoso que nunca aprendeu informática, que nunca abriu um notebook na vida, pode ser muito difícil voltar ao mercado de trabalho em uma dura crise econômica na qual as aposentadorias de muitos não estão garantidas e em que os despejos e as penhoras são moeda corrente. Essa é a verdadeira face do que se passou a chamar de divisão digital.


Pessoas como Brock são os alunos da academia Byte Back, situada no bairro de Brookland em Washington, uma área de maioria afro-americana. Esse centro é um refúgio de pessoas sem um teto na rede, cidadãos que carecem da formação e dos meios para navegar na Internet. Aqui se dão aulas de informática gratuitas para pessoas que quando chegam não sabem o que é um computador, e quando saem podem formatar um currículo, abrir uma conta de e-mail e mandá-lo para um departamento de recursos humanos. Trata-se de uma pequena ponte, por mais precária que seja, que oferece um grande avanço para contornar a brecha digital.


No ano passado a Byte Back deu 527 aulas para 442 alunos. Deles, 307 se matricularam no nível mais básico, no qual precisam aprender do zero, desde o botão de Iniciar do Windows. Em geral, 80% dos alunos -entre os quais há algumas pessoas sem teto- finalizam os cursos. Os professores, quase uma centena, são em sua imensa maioria voluntários.


"Pelo tipo de gente que vem aqui, temos a impressão de que as pessoas entre 60 e 80 anos estão ficando para trás. Isso é algo que vai piorar conforme houver coisas que só possam ser feitas online", explica a diretora da escola, Kelley Ellsworth. "A partir deste ano aqui em Washington só é possível registrar crianças em creches públicas através da rede. Até alguns meses atrás podia-se fazer pessoalmente. Agora os idosos sem experiência de informática não podem se encarregar de uma coisa tão simples para seus netos."


É verdade. Há cada vez mais burocracias que são feitas exclusiva ou principalmente através da rede. O governo dos EUA, por exemplo, exige que os viajantes europeus que queiram visitar o país se registrem previamente em uma lista através de um site. Muitos centros escolares dos EUA impõem deveres a seus alunos que devem ser feitos online. As empresas de telefonia, eletricidade e água cobram uma tarifa de até 3 euros mensais para enviar faturas em papel.


A Espanha, por exemplo, já tem a identidade digital para fazer todo tipo de tarefas com o simples acesso a uma conexão à Internet, e as prefeituras dos países industrializados utilizam cada vez mais a rede para trâmites tão simples -e que antes envolviam filas e papeladas- como renovar carteiras de motorista, requerer seguro-desemprego, pagar multas de trânsito ou saber aonde o guincho levou seu carro.


Segundo uma pesquisa do Centro de Pesquisas Pew do final de dezembro, 74% dos americanos usam regularmente a Internet. Essa cifra é bastante superior à registrada na Europa, onde somente 49% da população têm conexão à Internet em casa, segundo um relatório de 2009 do Ministério da Indústria, elaborado com dados de 2008. Na Espanha, 51% dos domicílios contam com conexão à rede, abaixo de países como Eslováquia, Reino Unido ou Suécia.


Esses dados confirmam a existência de desigualdades demográficas no acesso à Internet. Nos EUA, por exemplo, 76% das pessoas de raça branca se conectam à Internet com regularidade. Essa cifra cai para 64% entre a população hispano-americana. A diferença é mais pronunciada entre faixas etárias: 93% dos jovens entre 18 e 29 anos se conectam à rede, enquanto só 38% dos maiores de 65 anos o fazem.


"É normal que as pessoas mais velhas que vêm para estas aulas sintam medo no início", explica Ellsworth. "Muita gente não sabe nem o que a espera em uma tela de computador. O melhor em nossas aulas é ver as caras de vitória no final, ver que o medo desaparece e como essas pessoas comemoram sua vitória pelo simples fato de ir ao site da prefeitura e procurar algum dado."


Afinal, os idosos deveriam ser os mais beneficiados por uma tecnologia que evita papeladas intermináveis e filas longuíssimas. "Essas pessoas deveriam mergulhar na rede. Ninguém como elas pode obter um benefício de pedir uma visita médica ou um serviço municipal através de uma tela em sua casa", explica Ellsworth. Mas não são só os idosos que sofrem os prejuízos colaterais da divisão digital.


"Os casos mais preocupantes que encontro são os de jovens que acreditam ser muito versados em informática e Internet, mas ignoram que na realidade são analfabetos digitais", acrescenta Ellsworth. "São pessoas que se comportam como ninguém nos chats, que controlam todas as redes sociais e têm perfis em dezenas de sites. Mas que não são capazes de abrir um documento de texto e formatá-lo, ou que não conhecem as regras básicas de enviar uma mensagem de correio eletrônico para pedir um trabalho, gente com endereços de correio confusos, ou que não sabe sequer passar um corretor ortográfico em um documento."


Embora se destaquem menos, os jovens de poucos recursos e com educação moderada também são deixados de lado nessa divisão digital. Em Washington há muitos deles. Sofrem um desemprego que entende de raças e bairros. Aqui, no 3º distrito, zona rica de embaixadas e universidades, de maioria branca, o desemprego é de 3%. No 5º distrito, do outro lado do rio Anacostia, uma zona pobre de submoradias e insegurança nas ruas, de maioria afro-americana, é de 28%.


Mas alguns especialistas entendem que esses são os efeitos normais de qualquer ciclo econômico e que na realidade essa divisão digital é uma quimera. "Mais que uma brecha, é uma membrana permeável", explica Benjamin Compaine, especialista em empresas digitais, professor de administração de empresas na Universidade Northeastern e autor do livro "A Brecha Digital: Crise a enfrentar ou mito inventado?", publicado em 2001. "Algumas pessoas têm conexão no trabalho e não em casa. Há jovens que têm Internet na escola e não precisam dela em casa. É muito difícil descrever uma brecha como a que esse termo sugere."


No mundo desenvolvido há lacunas regionais não conectadas à rede, por ser zonas remotas, de difícil acesso, ou bairros pobres em zonas urbanas onde às vezes nem sequer existem os cabos necessários para oferecer a Internet. O governo americano anunciou em dezembro passado que oferecerá US$ 2 bilhões (1,4 bilhão de euros) para facilitar o acesso à banda larga nesse tipo de área. Ao fazer o anúncio, em 29 de dezembro na Geórgia, o vice-presidente Joe Biden disse que o acesso à banda larga "é necessário para criar a economia do século 21".


Para o professor Compaine, como para muitos economistas dos EUA que defendem o livre mercado, o Estado deveria se dedicar a outros assuntos. "Quando há tantas pontes para construir e tantas infraestruturas para melhorar, coisas que na verdade a iniciativa privada não vai solucionar, por que investir o dinheiro dos contribuintes em algo como facilitar o acesso à rede? Nos últimos dez anos a oferta e a procura solucionaram o problema. Sim, há cerca de 20% de domicílios nos EUA sem conexão à rede. Mas em muitos desses domicílios vivem pessoas que têm Internet no trabalho, ou no telefone ou através de satélite. São números imprecisos."


Em relação aos lugares remotos sem acesso à rede, Compaine é claro: "Por que eu deveria pagar pelo acesso à Internet em uma zona rural do Wyoming, por exemplo? Viver em cada lugar tem seus benefícios e seus custos. É certo que para um fazendeiro de Wyoming o seguro do carro custa menos que a metade do seguro do meu carro em Nova York, por exemplo. É normal que para ele o acesso à rede custe mais caro".


Nem todo mundo tem a mesma opinião. "A divisão digital existe. Se não quiser chamá-la assim, também se pode falar em desigualdade econômica. É a mesma história de sempre", explica Ken Eisner, diretor-executivo de operações da companhia sem fins lucrativos One Economy, encarregada entre outras coisas de oferecer conexão à rede para minorias pobres. "A Internet é o novo espaço público. Não ter acesso à rede em muitos casos não é uma questão de se viver em um lugar ou outro. É uma questão de pobreza, de subdesenvolvimento urbano ou rural", acrescenta.


Um de seus últimos projetos é oferecer acesso à banda larga para mais de mil famílias em Washington, através da operadora de telefonia e Internet Criket e com a ajuda de Google e Qualcomm. Até agora realizaram projetos semelhantes em outros estados, nas áreas rurais da Califórnia, Carolina do Norte, Virgínia Ocidental ou Missouri. Recentemente a One Economy iniciou programas semelhantes em grandes cidades como Washington.


"Por cada acesso à rede que oferecemos estamos dando a uma criança os meios necessários para ter um trabalho digno", explica Clyde Edwards, diretor da One Economy e coordenador de seus projetos locais na área metropolitana de Washington. "Trabalhamos para que todas as crianças pobres de hoje possam sonhar com ser os criadores do Facebook ou do Google de amanhã. Queremos levar a Internet a todos os lugares possíveis."


É um sonho que muitos outros compartilham. Há conexões com a rede mundial em lugares nunca antes imaginados, como o pólo sul, na Estação Amundsen-Scott, ou a bordo do ônibus espacial da Nasa. Diversas iniciativas tentaram levar a Internet a lugares extremamente remotos. Muitas vezes com êxito, como demonstra o caso de Entasopia, no Quênia, uma aldeia de 4 mil habitantes à qual o Google, através de um convênio com a Universidade de Michigan, levou a banda larga no ano passado através de uma conexão satélite alimentada por painéis solares.


O sonho de um mundo totalmente conectado parece se tornar realidade aos poucos, a cada dia. As novas gerações quase já nascem conectadas à rede. Só o tempo e a sucessão de gerações demonstrarão se a Internet é capaz de reduzir as desigualdades ou se realmente ajuda a combatê-las.



Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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