quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Felicidade nacional bruta

Com todo o investimento que se faz no Estado Forte, conforme entendimento doutrinário do atual presidente e de sua candidata, o artigo abaixo ressalta um problema contumaz e renitente: Os serviços públicos colocados à disposição do cidadão, que também é eleitor, são sofríveis e que não levam à inclusão social plena inobstante a um eventual aumento de renda líquida.
De toda sorte é um artigo bem escrito.
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Felicidade nacional bruta

Joseph Stiglitz, esse prêmio Nobel de Economia que é uma espécie de dom Quixote da economia moderna, sugeriu, faz um ano, pouco mais ou menos, que o tal de PIB (Produto Interno Bruto, medida da produção econômica do país) incorporasse outros elementos ligados ao bem estar e ao desenvolvimento sustentável.
Seria o que chamei, em colunas anteriores para a Folha, de FIB (Felicidade Interna Bruta), muito mais importante do que saber quanto aumentaram (ou diminuíram) a produção de carros, de soja, as importações e as exportações --e por aí vai.
Pois bem, o presidente Nicolas Sarkozy, esse mesmo que hoje está sob fogo por estimular todos os demônios xenófobos e por procurar uma saída para a crise pela arqui-percorrida via do corte de benefícios sociais, teve coragem para incorporar o chamado Relatório Stiglitz às contas nacionais.
Criou até uma comissão, presidida pelo próprio Stiglitz, para saber como tornar operacional essa nova maneira de medir a economia. Pois bem: no mês que vem, segundo anuncia o "Figaro", o Insee (Institut national de la statistique et des études économiques), que vem a ser o IBGE francês, começará a publicar um dossiê sobre as condições de vida, levando em conta as diferentes dimensões preconizadas pelo relatório do Nobel.
O jornal antecipa dados bem interessantes. Na área social, por exemplo, calculou-se "o efeito redistributivo do financiamento público da saúde e da educação". Conclusão: tais serviços (assegurados pelo Estado e de qualidade incomparavelmente superior na comparação com o Brasil, por mais que os franceses deles reclamem) representaram 23% da renda disponível dos lares.
Ou seja, cada família francesa teria que gastar 23% mais, se fosse obrigada a recorrer a serviços privados de educação e saúde.
Segunda conclusão: a brecha entre a renda disponível dos 20% mais ricos e a dos 20% mais pobres passaria dos atuais três vezes mais para cinco vezes mais, sem serviços públicos de saúde e educação.
Acho que não preciso dizer o quanto a classe média brasileira, que recorre à escolas privadas para os filhos e a seguro-saúde também privado para a família toda, se beneficiaria se pudesse confiar no setor público.
Fico muito curioso de saber o quanto aumentaria o bem-estar dos mais pobres, condenados a pôr os filhos numa escola pública em geral fraca e a enfrentar as filas dos hospitais públicos, se o Brasil tivesse a coragem de introduzir nas sua contabilidade a FIB inventada por Stiglitz.

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha

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