terça-feira, 19 de outubro de 2010

Manaus vira a capital nacional do apagão

Manaus vira a capital nacional do apagão
Interrupções no fornecimento de energia elétrica têm se tornado rotina para os moradores da capital do Amazonas nos últimos meses


Renée Pereira - O Estado de S.Paulo
Nos últimos meses, Manaus deixou de ser apenas o principal centro financeiro e econômico da Região Norte para ser a capital do apagão. Lá, as interrupções de energia elétrica, que antes ocorriam esporadicamente, viraram rotina na vida de moradores, empresários e multinacionais da Grande Manaus. Tudo isso porque os investimentos na rede de distribuição não acompanharam a demanda.

Diante do caos energético da capital amazonense, onde se localiza um importante polo industrial de eletroeletrônicos e veículos sobre duas rodas, Brasília resolveu agir. Por determinação do presidente Lula, uma comitiva liderada pelo ministro de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, desembarcou na cidade no início do mês para anunciar um plano emergencial, que já começou a ser implementado.

"Até o fim do ano, vamos deixar Manaus com um bom atendimento de energia", garante José Antônio Muniz, presidente da Eletrobrás, que controla a distribuidora Amazonas Energia.

Encarregado de resolver o problema, ele praticamente se mudou para Manaus, de onde vai despachar três vezes por semana. "Vou ficar aqui até resolver a situação", afirma.

O plano inclui a troca de 425 transformadores em alguns bairros da cidade, o que deve aumentar a capacidade da rede de distribuição e dar mais confiabilidade ao abastecimento, afirma Muniz. Outros 575 equipamentos deverão ser substituídos nos próximos meses.

A pergunta que a população local faz ao executivo é: por que essa medida não foi tomada antes que houvesse a propagação dos desligamentos? Uma das respostas está ligada aos prejuízos milionários que as estatais amargaram nos últimos anos e reduziram a capacidade de investimento. Mas a explicação também está associada à falta de planejamento.

Demanda maior. Muniz reconhece que o crescimento da demanda, de 14% no ano, não era esperado pela empresa de distribuição, já que a média nacional estava em torno de 9%. De fato, a população local avançou para áreas mais afastadas do centro, novos empreendimentos comerciais foram abertos (como um novo shopping center e grandes redes de supermercados) e a produção industrial da Zona Franca aumentou de forma significativa com a demanda nacional por eletroeletrônicos.

Enquanto isso, a rede de distribuição continuou no mesmo nível - em algumas áreas houve forte degradação. Empresários e representantes do setor produtivo relatam que a deficiência da rede chegou ao ponto de a distribuidora ter de determinar o desligamento de algumas áreas para evitar um efeito dominó na cidade durante picos de consumo. O presidente da Eletrobrás negou que a operação tenha sido adotada e desmentiu a declaração dada por um técnico da empresa.

Para a população local, o descompasso entre investimento e demanda é o principal atestado do descaso do poder público com a região, que sofre com a péssima qualidade da energia. Hoje, Manaus e boa parte da Região Norte são abastecidas com geração térmica, especialmente de usinas movidas a óleo combustível e diesel. Como a produção é cara - e poluente -, todos os brasileiros pagam uma quantia a mais na sua conta de luz para ajudar os consumidores do Norte. Neste ano, os desembolsos devem somar R$ 4,7 bilhões.

Isso não significa, no entanto, que a conta de luz da população dos Estados do Norte é barata. Pelo contrário. Está no mesmo nível das Regiões Sul e Sudeste. "Além de cara, é de péssima qualidade. Semana passada, o Rio ficou cinco minutos sem energia e causou uma grande polêmica. Aqui, ficamos cinco minutos sem energia todos os dias e ninguém faz nada", afirma o empresário Raul Andrade, dono de uma rede de restaurantes.

Prejuízo. Ele perdeu a conta dos equipamentos queimados por causa do liga e desliga da rede de distribuição. O prejuízo inclui perdas de chapas e fritadeiras elétricas, aparelhos de ar-condicionado e compressores de câmaras frigoríficas, além de alimentos perecíveis. Isso sem contar o desconforto em relação aos clientes, já que as máquinas de cartão de crédito também não funcionam. "Ficamos de braços cruzados esperando a energia voltar", diz.

O comerciante Alan Bandeira também já perdeu a paciência com o número de apagões. "Semana passada, fiquei uma hora sem luz. Até meu "nobreak" (equipamento usado para proteger eletroeletrônicos contra quedas de energia) não suportou a variação de energia e queimou."

Na opinião dele, além dos investimentos para melhorar a rede local, a solução para a cidade é construir a linha de transmissão de Tucuruí. O projeto, atrasado por questões ambientais, vai inserir a cidade no sistema interligado nacional.

Andrade e Bandeira estão liderando, ao lado do presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Manaus, Ezra Benzion, um abaixo-assinado para reivindicar melhorias no sistema. A intenção é levar o documento até Brasília e ter uma resposta mais rápida. "No Brasil, temos o custo Brasil. Aqui, temos o custo Manaus", reclama Andrade.

O presidente do Sindicato das Indústrias de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares de Manaus, Wilson Périco, destaca que o problema já era para ter explodido se a crise mundial não tivesse arrefecido a atividade econômica. Ele conta que, em 2008, o setor elétrico local já havia apresentado sinais de estrangulamento.

O tempo, contudo, não foi aproveitado para sanar as deficiências, critica o executivo. "Não houve por parte do setor público o devido cuidado para preparar a rede de energia para atender o polo industrial de Manaus e o crescimento da região."

Périco afirma que, para evitar ainda mais prejuízos, boa parte da indústria se equipou com geradores elétricos e "nobreaks".

Apesar disso, as perdas têm sido grandes. "Cada vez que a rede cai, um processo de produção é interrompido e, na maioria dos casos, perdido. Mesmo que seja por minutos."
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