sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Do apagão gerencial às concessões



ROGÉRIO FURQUIM WERNECK
O GLOBO 

Afinal, prevaleceu o pragmatismo. O governo caiu em si. Percebeu que não vai conseguir superar em tempo hábil o apagão gerencial que vem emperrando os programas de investimento na área federal. E decidiu que, nessas circunstâncias, o melhor que poderia fazer era reprimir preconceitos arraigados e repassar ao setor privado boa parte dos projetos de expansão de infraestrutura que não vinha conseguindo viabilizar. A grande dúvida é se o apagão gerencial que paralisa o PAC não vai acabar comprometendo também o próprio programa de concessões que acaba de ser anunciado.

A primeira leva de concessões envolve projetos rodoviários e ferroviários. As próximas, a serem anunciadas em breve, deverão incluir portos e aeroportos. Por sorte, o governo adiou mais uma vez o anúncio do estapafúrdio projeto do trem-bala. Foi noticiado que a presidente ainda estaria insegura com a "maturidade" do projeto. Será muito bom para o País se essa insegurança persistir.

Até que os investimentos saiam do papel, há pela frente longo cronograma, que o próprio governo, com toda razão, considera "ambicioso". Finalização dos estudos até dezembro. Audiências públicas em janeiro. Editais em março. Licitações em abril. E assinaturas de contratos entre maio e julho. Mesmo que não haja contratempos de qualquer tipo, o que é improvável, as primeiras obras só terão início no segundo semestre de 2013, a menos de um ano e meio do fim do atual mandato presidencial. Antes tarde do que nunca.

Na concepção das regras e incentivos que deverão pautar as novas concessões, o governo terá de levar em conta extensa lista de erros passados a evitar. Em 2007, o Planalto cantou em prosa e verso as tarifas módicas que havia conseguido impor em licitações de concessões rodoviárias. Constatou agora que os investimentos das concessionárias que venceram as licitações também acabaram sendo especialmente módicos. Não mais que 10% do que se comprometeram a fazer.

É fundamental que as concessões sejam capazes de atrair recursos efetivamente privados em grande escala. E que repliquem o que se observou, por exemplo, na licitação da usina de Belo Monte, no Pará, quando tarifas módicas foram impostas a ferro e fogo. Em face do desinteresse dos investidores, o governo viu-se obrigado a montar consórcios "privados", com participação majoritária de empresas do grupo Eletrobrás e de fundos de pensão de empresas estatais. E, mesmo assim, ainda foi necessário despejar um volume gigantesco de recursos públicos para fechar as contas.

Ao fim e ao cabo, o esforço de investimento que vem sendo feito em Belo Monte - e em outros grandes projetos hidrelétricos na Amazônia - tem sido quase todo bancado com recursos do Tesouro, repassados pelo BNDES. Será lamentável se as concessões agora anunciadas acabarem dando lugar a arranjos similares, em que tudo é movido a dinheiro público, como, por estranho que possa parecer, o governo parece preferir.

A experiência recente de concessões de aeroportos também encerra lições importantes. O governo acabou percebendo que não havia dado o peso correto à experiência prévia dos licitantes. E não teve como evitar que alguns dos principais aeroportos do País acabassem em mãos de concessionárias de terceira linha no plano mundial.

Na gestão das novas concessões, o governo terá de evitar incorrer mais uma vez nos excessos de voluntarismo, centralização, aparelhameno e loteamento de cargos que redundaram na paralisia dos programas de investimento público. Regras bem concebidas e um aparato regulatório competente, confiável e independente são ingredientes fundamentais.

No caso das concessões já anunciadas, é difícil que tudo isso possa ser assegurado sem mudança drástica na forma com que o governo tem tratado a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que, há meses, vem funcionando de forma precária, com diretoria interina. É difícil que, com tal descaso, as concessões possam ter o sucesso que o governo espera.
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