Francis Wolf
O que é o futuro?
É simples. Vocês conhecem Brasília? Claro, todo mundo conhece Brasília, inaugurada em 1960, como a cidade do futuro. Todos sabem o que é o Plano Piloto, em forma de avião, que era o símbolo da modernidade tal como era vista em 1960. Todos ouviram falar da racionalidade de Brasília: os bairros residenciais se organizam em superquadras, isto é, em unidades de habitações idênticas, funcionais e autossuficientes, com seus centros comerciais, suas escolas e seus jardins. Brasília é uma cidade concebida para os carros. Nela, portanto, é difícil encontrar espaços para andar a pé, pois a concepção da cidade privilegiou o transporte mecanizado. (...). É assim que visionários como Juscelino Kubitschek ou Lúcio Costa pensavam seu presente e imaginavam seu futuro, nosso presente, 50 anos mais tarde.
Todos vocês conhecem Brasília. Mas conhecem Masdar? É o nome da nova cidade do futuro, a ecovila de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos. Foi concebida em 2008 e o canteiro de obras começou há três anos, exatamente 50 anos depois de Brasília. Mas é o exato oposto de Brasília. Esta foi concebida sob o signo da velocidade e do progresso. Todos lembram o slogan: “Cinquenta anos em cinco!” E sabemos que mesmo essa previsão voluntarista foi superada: as obras foram concluídas em três anos e meio. Em Masdar, elas serão muito lentas: iniciadas em 2009, só deverão terminar em 2020. Será a primeira cidade do planeta sem emissões de CO2, sem desperdício, sem carros: a capital do desenvolvimento sustentável. O plano geral da cidade, concebido pelo arquiteto britânico Norman Foster, mistura tecnologia de ponta e urbanismo árabe tradicional. Em Masdar não haverá carros. As pessoas circularão em “Personal Rapid Transit” (“Transporte pessoal automatizado”). (...) Uma usina de dessalinização, funcionando com energia solar, abastecerá Masdar de água potável, e os espaços paisagísticos da cidade serão regados pelas águas tratadas. (...).
É isso o futuro? Então o futuro não é mais o que era.
O futuro era antes concebido como Brasília e traduzia as visões, as esperanças e os temores dos anos 1950: visão prometeica de uma conquista racional e absoluta do homem sobre a natureza; esperança de recursos energéticos indefinidos, crença no progresso ilimitado, no poder da produtividade, da técnica e da velocidade. Hoje o futuro é concebido como Masdar e traduz as esperanças e angústias de nossa época: temor da poluição e do aquecimento climático, do esgotamento dos recursos naturais, desconfiança diante do produtivismo; visão de uma reconciliação do homem com a natureza, de uma harmonia das espécies na biosfera; esperança de uma vida lenta ou de redes sociais ampliadas. Sonhamos hoje com Masdar — ou melhor, sonhamos viver numa outra Masdar, longe dos Emirados, talvez perto de Paraty, em algum lugar mágico à beira do mar entre Rio e São Paulo. São os nossos sonhos de hoje. Mas o que sabemos dos nossos sonhos de amanhã, daqui a 50 anos? Talvez as Masdar de então nos parecerão tão datadas por nossas esperanças de hoje quanto a Brasília de hoje nos parece marcada por nossos sonhos de ontem.
Francis Wolff é professor de filosofia na École Normale Supérieure (Paris), autor de “Dizer o mundo” e “Aristóteles e a política” (Discurso Editorial)
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