segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Estipular, definir e delimitar a ação do Estado

Marco Maciel
CORREIO BRAZILIENSE

“Por que alguns governos democráticos têm bom desempenho e outros não?”, indaga o cientista político Robert Putman na obra Comunidade e democracia, cujo objetivo é contribuir para a compreensão do modo como as instituições formais influenciam a prática da política e do governo. Disso decorrem outras perguntas: “Mudando-se as instituições, mudam-se também as práticas? O desempenho de uma instituição depende do contexto social, econômico e cultural? Se transplantarmos as instituições democráticas, elas se desenvolverão no novo ambiente, tal como no antigo? Ou seria que a qualidade de uma democracia depende da qualidade de seus cidadãos e, portanto, cada povo tem o governo que merece?”.

O debate político em nosso país há muito carece não só de racionalidade, mas também de análises consistentes, que justifiquem propostas de mudanças capazes de transformar, mais do que a forma, a substância de nossas instituições.

As crises políticas que desde o advento da República têm perturbado os avanços do regime democrático entre nós não foram menos inquietantes que as dificuldades econômicas que atravessamos, de modo particular nas fases de descontrole inflacionário. No decurso dos primeiros 100 anos da República, infelizmente, tivemos poucos períodos em que conseguimos conciliar normalidade política, estabilidade econômica e, como consequência, desenvolvimento social.

O imediatismo das reformas malconcebidas e a ausência de um projeto nacional que transcenda a transitoriedade dos governos para se fixar na permanência de interesses têm restringido o debate político e parlamentar à questão social. É consabido que as reformas políticas de que o Brasil necessita pressupõem tanto o saneamento das práticas e dos processos correntes quanto a mudança da legislação. Mais: avulta evidente que o fundamental é também promovermos reformas institucionais, estas de alcance muito além dos desejados aperfeiçoamentos no território dos sistemas eleitoral e partidário. Impõe-se consolidar instituições que tenham as virtudes de atender às aspirações da sociedade, mais do que de partidos, entidades e grupos que gravitam em torno da política, por legítimos que sejam seus interesses.

Cabe, a propósito, mencionar publicação que centrou seu objetivo especificamente no problema institucional: Sistemas partidários em novas democracias: o caso do Brasil, trabalho de Scott P. Mainwaring, editado no fim do século passado. No capítulo 10, o professor norte-americano analisa o impacto das instituições na reforma de políticas. Para ele, as instituições brasileiras — das quais o sistema partidário é uma das âncoras — têm um efeito contraditório: algumas fomentam e outras põem obstáculos às mudanças. A razão disso é termos sido, segundo ele, um país retardatário na estabilização da economia — obtida, observo, somente na década passada com o Plano Real, coordenado por Fernando Henrique Cardoso — e na reforma do Estado.

Pode-se discordar de alguns argumentos dos livros aqui invocados. Pode-se não concordar com algumas de suas afirmações e, igualmente, desprezar as conclusões de ambos. O que não se deve é deixar de considerar que a questão institucional no Brasil continua em aberto. Reduzir as sucessões presidenciais a promessas e propostas de salvacionismo pode ser um recurso ou um subterfúgio. Este, aliás, mais do que aquele. O resultado é a crise institucional que vivemos nos últimos anos, sem precedentes em nossa evolução política e cujo principal produto foi a deterioração ética.

Enfim, é preceito fundamental de todo regime democrático que o Estado esteja a serviço da sociedade e não a sociedade a serviço do Estado. Os resquícios do Estado onipotente continuam a negar à totalidade dos cidadãos os direitos inalienáveis de desfrutar da liberdade que conquistamos, mas não da igualdade a que aspiramos. Estipular, definir e delimitar a ação do Estado em face da sociedade deve ser a primeira das reformas institucionais necessárias a uma efetiva democratização do Estado brasileiro.

Membro da Academia Brasileira de Letras. Foi senador, vice-presidente da República, ministro da Educação, ministro-chefe da Casa Civil e governador de Pernambuco

.

DE DAVOS AO SENEGAL

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O Fórum Econômico Mundial, em Davos, e o Fórum Social Mundial, em Dacar, neste começo de 2011, contrastam enormemente em geografia humana, política e econômica, mas os dois serão responsáveis pelo tom do atual e dos próximos anos em todos os grandes problemas econômicos e sociais. O primeiro, realizado no templo do capitalismo, a Suíça, onde foi gerada, há 63 anos em Mont-Pelerin, a doutrina que é vigorosamente rejeitada pelo segundo desde seu nascimento, há 11 anos, em Porto Alegre. Essa doutrina – o neoliberalismo – representa o muro que separa a ideologia dos dois fóruns, mas ficou visto desta vez em Davos sem a rigidez de antes da grande crise global de 2008. O que sinalizou para essa mudança foi a linguagem do encontro das potências econômicas na Suíça, este ano também preocupado com os conflitos no Norte da África, com a pobreza e o meio ambiente.

Esses dois temas – pobreza e meio ambiente – eram, até este ano, marcas registradas do Fórum Social Mundial, que dá forma e conteúdo às preocupações que lhe deram origem, com mais um encontro na África, onde estão todos os desvios históricos da chamada civilização ocidental, principalmente o pilar – o colonialismo – que sustentava e continua sustentando a exploração daquele continente. O encontro que reúne organizações sociais de todo mundo chegou ao Senegal saudando as jornadas de lutas na Tunísia, Jordânia e Egito e deixa “o compromisso histórico e solidário com as lutas do povo africano pelo fim do colonialismo, contra a militarização, o patriarcado, pelos direitos dos migrantes e pela soberania”, como afirmou em manifesto a Coordenação dos Movimentos Sociais.

O segundo encontro do Fórum Social no continente africano – o primeiro foi no Quênia, em 2007 – foi animado pela ideia de que um outro mundo é possível, contraponto ao mundo representado por Davos, mas ambos sujeitos à mesma apreensão diante das tensões em países do Norte da África e do Oeste, a Costa do Marfim. Essa preocupação está mais centrada no Egito pelo potencial de agravamento do confronto entre países de maioria muçulmana e Israel, mas é sobre os grandes temas sociais que deverão ir além da crise por que passam países africanos que o Fórum concentra as atenções, questões como a crise global e quem vai pagar a fatura, as restrições à liberdade, a xenofobia, as migrações, a militarização.

O Brasil tem naturalmente papel destacado no Fórum Social Mundial, porque foi aqui que ele nasceu, em 2001, e daqui espalha a preocupação dos movimentos sociais. Foi a partir do grande encontro de Porto Alegre que os ventos começaram a soprar na direção contrária a Davos, onde o então presidente Lula debutou em 2003 com um discurso que repetiu agora no Senegal, atraindo toda simpatia dos participantes de 120 nações. A empatia do ex-presidente brasileiro foi destacada na imprensa senegalesa, em contraste com a pouca atenção dada ao discurso do presidente Abdoulaye Wade. Um jornal daquele país chegou a contrapor as fotos dos dois, afirmando que a expressão de Wade – ante a ovação recebida pelo ex-presidente brasileiro – era de despeito e raiva.

Talvez o maior significado deste encontro na África seja a possibilidade que ele oferece de se desenvolver uma nova abordagem para um velho problema: a capacidade de transpor todas as supostas barreiras à superação das gravíssimas fraturas sociais que pesam sobre o continente, que vão de uma pandemia de aids à evasão de recursos pela exploração colonial, pela luta interna e a corrupção no poder. A todos os problemas africanos a pouca resposta que foi dada pelos países mais desenvolvidos sempre foi restrita à ajuda econômica, cuja destinação dos recursos nem sempre era – e é – cumprida. A fórmula brasileira parece a mais acertada e foi enfatizada agora no Senegal: o Brasil vem abrindo embaixadas na África e, simultaneamente, transferindo conhecimento para que o próprio africano dê o impulso necessário a transformações autossustentáveis, fundamentais para a autodeterminação dos povos.
.

O Poder da Validação



Todo mundo é inseguro, sem exceção. Os super-confiantes simplesmente disfarçam melhor. Não escapam pais, professores, chefes nem colegas de trabalho.

Afinal, ninguém é de ferro. Paulo Autran treme nas bases nos primeiros minutos de cada apresentação, mesmo que a peça que já tenha sido encenada 500 vezes. Só depois da primeira risada, da primeira reação do público, é que o ator se relaxa e parte tranqüilo para o resto do espetáculo. Eu, para ser absolutamente sincero, fico inseguro a cada novo artigo que escrevo, e corro desesperado para ver os primeiros e-mails que chegam.

Insegurança é o problema humano número 1. O mundo seria muito menos neurótico, louco e agitado se fôssemos todos um pouco menos inseguros. Trabalharíamos menos, curtiríamos mais a vida, levaríamos a vida mais na esportiva. Mas como reduzir esta insegurança?

Alguns acreditam que estudando mais, ganhando mais, trabalhando mais resolveriam o problema. Ledo engano, por uma simples razão: segurança não depende da gente, depende dos outros. Está totalmente fora do nosso controle. Por isso segurança nunca é conquistada definitivamente, ela é sempre temporária, efêmera.

Segurança depende de um processo que chamo de "validação", embora para os estatísticos o significado seja outro. Validação estatística significa certificar-se de que um dado ou informação é verdadeiro, mas eu uso esse termo para seres humanos. Validar alguém seria confirmar que essa pessoa existe, que ela é real, verdadeira, que ela tem valor.

Todos nós precisamos ser validados pelos outros, constantemente. Alguém tem de dizer que você é bonito ou bonita, por mais bonito ou bonita que você seja. O autoconhecimento, tão decantado por filósofos, não resolve o problema. Ninguém pode autovalidar-se, por definição.

Você sempre será um ninguém, a não ser que outros o validem como alguém. Validar o outro significa confirmá-lo, como dizer: "Você tem significado para mim". Validar é o que um namorado ou namorada faz quando lhe diz: "Gosto de você pelo que você é". Quem cunhou a frase "Por trás de um grande homem existe uma grande mulher" (e vice-versa) provavelmente estava pensando nesse poder de validação que só uma companheira amorosa e presente no dia-a-dia poderá dar.

Um simples olhar, um sorriso, um singelo elogio são suficientes para você validar todo mundo. Estamos tão preocupados com a nossa própria insegurança, que não temos tempo para sair validando os outros. Estamos tão preocupados em mostrar que somos o "máximo", que esquecemos de dizer aos nossos amigos, filhos e cônjuges que o "máximo" são eles. Puxamos o saco de quem não gostamos, esquecemos de validar aqueles que admiramos.

Por falta de validação, criamos um mundo consumista, onde se valoriza o ter e não o ser. Por falta de validação, criamos um mundo onde todos querem mostrar-se, ou dominar os outros em busca de poder.

Validação permite que pessoas sejam aceitas pelo que realmente são, e não pelo que gostaríamos que fossem. Mas, justamente graças à validação, elas começarão a acreditar em si mesmas e crescerão para ser o que queremos.

Se quisermos tornar o mundo menos inseguro e melhor, precisaremos treinar e exercitar uma nova competência: validar alguém todo dia. Um elogio certo, um sorriso, os parabéns na hora certa, uma salva de palmas, um beijo, um dedão para cima, um "valeu, cara, valeu".

Você já validou alguém hoje? Então comece já, por mais inseguro que você esteja.

Stephen Kanitz


Artigo publicado na Revista Veja, edição 1705, ano 34, nº 24, 20 de junho de 2001, pág.22

Grandes decisões sobre as pessoas: qual é o impacto disto em sua carreira?


Confira os pensamentos de Claudio Fernández-Aráoz, especialista em decisões de contratação e promoção, sobre os quatro fatores que influenciam uma carreira de sucesso.


Certamente, você já deve ter parado para refletir porque algumas pessoas simplesmente parecem nascer para o sucesso profissional, enquanto outras não. Este tema também foi objeto de estudo de Claudio Fernández-Aráoz, especialista mundial em decisões de contratação e promoção. 

De acordo com o acadêmico, o fluxo natural das pessoas seria o de estudar para se tornar um profissional, evoluir para gestores – atividade que permite que os resultados dependam não somente se si, como também dos recursos por você gerido. O caminho leva as pessoas a se tornarem executivos seniores e com o tempo assumem o desafio de ser CEO, membro de conselho de administração etc. O fato é que as pessoas cada vez mais são impactadas socialmente e economicamente a medida que crescem profissionalmente. E neste caminho existem aqueles de “decolam” e os que “fracassam”.

Desconsiderando o fator sorte, que é incontrolável, Aráoz avalia que existem quatro fatores que influenciam em uma carreira bem-sucedida. São eles:

1. Genética: “Se você é forte e inteligente, tem uma vantagem na vida. Mas sabemos que nossos genes representam menos do que a metade do que somos”, pontua em entrevista.


2. Desenvolvimento e aprendizado: “Mais da metade do que somos é composto pelo que fazemos com nossos genes e é por isso que acredito que o segundo fator mais importante seja o desenvolvimento ou o aprendizado formal e informal que adquirimos com a vida”, explica.


3. Grandes decisões sobre a própria carreira: “Assim que os estudos são concluídos, o terceiro fator para uma carreira bem sucedida está relacionado a tomar grandes decisões sobre a carreira. Trabalhar para grandes organizações onde aprendemos e somos constantemente desafiados por tarefas que combinam perfeitamente com o nível de nossa capacidade”, defende.


4. Grandes decisões sobre as pessoas: “Ao se tornar gestor, nada é mais importante para o sucesso da carreira do que tomar grandes decisões sobre as pessoas. Isso é especialmente importante, pois tudo o que é feito dependerá das pessoas escolhidas, de seus resultados, desempenho, riscos, chances de ser promovido”, reforça.

Segundo o especialista, as decisões sobre grandes nomeações, promoções, ou seja, sobre a carreira das outras pessoas, é fator determinante para o próprio sucesso do responsável por esta ação. “Sabemos que se os líderes certos estão nos lugares certos, esta é a forma de construir um mundo muito melhor”, conclui.
.

Recrutas do PAC

O cidadão brasileiro certamente não irá lembrar que no início do governo Lula houve um escândalo sem precedentes (pois acidentalmente a mídia ainda não era controlada por Franklin Martins) sobre o estado das estradas no país e as irregularidades nos contratos com grandes empreiteiras.

Um segmento da mídia mirou na Engenharia do Glorioso Exército Brasileiro atribuindo a ela, falsamente, problemas com cumprimentos de cronogramas (claro está que não tinham a menor condição de criticar a qualidade, pois era muito superior às das demais construtoras) e gerou um famigerado programa capitaneado pela FGV com o Prof Bogado amigo do Min da Defesa Viegas, ex-Embaixador Brasileiro no Peru. O programa para ser uma ação de justificativa, destinava-se a ser uma radiografia das potencialidades e capacidade ociosa das FFAA.

O caso saiu, depois de três anos sem se entregar resultados satisfatórios, na Veja e o professor e seus asseclas sumiram, à francesa, de cena e ninguém mais falou no assunto.

Agora vemos a Gloriosa Engenharia do EB cobrindo, novamente, furos das demais e ninguém se importa com isto.

Enfim, está dentro do previsto em função da capacidade gerencial do governo. Fazer o quê??

Recrutas do PAC
De refinarias a aeroportos, recrutas tocam obras
André Borges de Cabrobó e Goiana (PE)
Valor Econômico



O recruta Djalma Raimundo Gonçalves trabalha na duplicação da BR 101, em Goiana (PE): obras do PAC tocadas pela engenharia do Exército já atingem 30 projetos de alto calibre, que absorvem 2,6 mil jovens trabalhadores por ano em rodovias, refinarias e aeroportos.

O garoto Almir Soares Paé nunca dirigiu um carro na vida. Ainda não tem habilitação, tampouco dinheiro para comprar um carro. Na boleia de uma motoniveladora de R$ 300 mil, porém, vira um motorista experiente. Com seus 19 anos, aparelho nos dentes e dúzias de espinhas no rosto, Paé precisou só de algumas aulas práticas para ganhar o posto. O garoto leva jeito, e não seria para menos dada a responsabilidade que assumiu. Ele e mais alguns amigos estão trabalhando nas obras da transposição do São Francisco.

No volante de uma fila de máquinas barulhentas, um batalhão de garotos de 19 e 20 anos trabalha das seis horas da manhã às seis da tarde na construção da barragem de Tucutu, a primeira represa do Eixo Norte da transposição, canal que avançará 402 km pelo sertão nordestino. Ali estão cerca de 200 recrutas do Exército, cumprindo o serviço obrigatório de um ano. O ritmo é pesado. Descanso, quando ocorre, só aos domingos. "O trabalho não é moleza, mas eu gosto do que faço", diz Paé, que um ano atrás deixou a casa dos pais, em Picos, no semi-árido do Piauí, para trabalhar nas obras de Pernambuco. "Quando entrei no Exército queria saber como atirar, mexer com armas, mas achei bom vir para cá e aprender uma profissão. Fica mais fácil arrumar um emprego quando a gente sai."

Os meninos que trabalham hoje na barragem em Cabrobó fazem parte da divisão de engenharia do Exército, braço que hoje soma um contingente de 9 mil militares em todo o país. Divisão menos conhecida das Forças Armadas, principalmente pelos milhares de garotos que todos os anos se alistam para o serviço obrigatório, a engenharia militar funciona como uma grande empreiteira. É essa "geração PlayStation", como define o major Marcelo Souza Lima, comandante do batalhão que atua na cidade de Goiana (PE), que está operando máquinas de escavação e terraplanagem, rolos compressores, tratores e caminhões em algumas das principais obras do país.

Até meados de 2006, antes do lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o volume de obras concentradas na Diretoria de Obras de Cooperação (DOC) do Exército era pequeno, não atingia uma dúzia de projetos, todos de pequeno porte. Hoje a divisão atua em trechos de mais de 30 obras de alto calibre, passando por rodovias, refinarias e aeroportos.

O resultado dessa operação é a chegada, todos os anos, de 2,6 mil garotos de 19 anos de idade ao mercado do trabalho, levando debaixo do braço um currículo com cursos básicos de construção civil. Nas obras, o trabalho dos soldados não se limita ao volante. Como há muito serviço de pedreiro que também precisa ser feito, na hora da necessidade ninguém fica de fora. "Aqui no quartel temos até hacker que colocamos para trabalhar na obra. Quando fazemos mutirão em dias de domingo, todo mundo pega no pesado. Cozinheiro, pessoal do almoxarifado, do escritório, todos têm que ajudar na obra", diz o major Lima. "Sei que isso seria impossível em uma empresa privada, onde cada um só cumpre sua função, mas aqui eles são soldados, sabem que estão servindo o Exército."

Na rotina das obras, cabe também aos próprios comandantes trocarem os chapéu de militar pelo de engenheiro. Profissionais formados pelo Instituto de Engenharia Militar (IME) costumam dar assessoria técnica para as obras, mas no dia a dia, são os coronéis que estão na linha de frente.

Em Goiana, na BR 101, recrutas como Djalma Raimundo Gonçalves colocam a mão no rastelo todos os dias para espalhar o asfalto a 180 graus celsius que os caminhões despejam nas obras de duplicação da rodovia. O calor e o cheiro forte não incomodam o recruta. "Fui voluntário para servir o Exército e quero continuar aqui. Se eu for selecionado para continuar no batalhão, vai ser muito bom", diz Gonçalves.

Pelo regimento militar, quem é chamado para permanecer no Exército após vencer o primeiro ano de serviço obrigatório pode trabalhar por mais seis anos no quartel. No primeiro ano, o recruta recebe um salário de R$ 530 por mês, moradia, saúde e alimentação. Se é selecionado para encarar mais seis anos, passa a ganhar R$ 1 mil, mas não há pagamento por hora extra ou benefícios comuns da iniciativa privada, como o fundo de garantia.

Pode parecer um caminho pouco atraente para jovens que vivem nas capitais mais ricas do país, diz o coronel Osmar Nunes, adjunto do centro de operações do primeiro grupamento de engenharia de construção, mas no interior dos Estados do Norte e Nordeste essas vagas militares são disputadas pelos garotos. "Hoje não temos problemas com a quantidade de voluntários. Pelo contrário, é preciso selecionar entre todos os que querem servir", comenta o coronel Nunes. "Para muitos desses garotos, isso aqui é o trampolim para aprender alguma coisa e depois ir para a iniciativa privada, que paga o triplo ou mais."

A execução de obras de construção civil pela divisão de engenharia do Exército data da época do Império. A lei que determinou que o batalhão entrasse nas construções de estradas de ferro, linhas telegráficas e outras obras de infraestrutura é de 1880. Passados 131 anos, sua finalidade continua a ser a mesma, diz o general Jorge Ernesto Pinto Fraxe, diretor da divisão de obras. "Nunca tivemos função de mercado ou de competição com a iniciativa privada, somos um aparelho do Estado que precisa adestrar [treinar] seu contingente", afirma.

O Exército não recebe dinheiro pelas obras que executa. O salário de todos os militares que atuam nas obras, do recruta ao general, já é pago pela União. Dessa forma, o orçamento da obra é destinado à aquisição de materiais de construção, máquinas e equipamentos. O ganho material das Forças Armadas, comenta o coronel Osmar Nunes, ocorre com o reaparelhamento da divisão, que passa a incluir em seu patrimônio as máquinas compradas durante as obras, para depois usá-las em outras operações. "O Exército não tem lucro. Seu ganho é absorver tecnologia, formar o soldado e cumprir a função social de devolver um cidadão treinado para vida civil", diz Nunes.

Na semana passada, em Cabrobó, o recruta Almir Soares Paé e muitos de seus amigos passaram pela peneira do Exército após um ano de trabalho. O garoto que se destacou no comando da motoniveladora queria permanecer no quartel. Não deu. Dos 200 soldados que trabalhavam na transposição, só 40 permaneceram. Outros 160 vão chegar. "Infelizmente são pouquíssimas as vagas e temos de escolher soldados para todo tipo de trabalho, de cozinheiro a motorista", justifica o coronel Marcelo Guedon. Depois de um ano no quartel, Paé diz que aprendeu a dirigir todo o tipo de máquina. Embora sair do Exército não fosse a sua vontade, já estava preparado para deixar o posto. "Vou trabalhar numa empresa, quero estudar educação física."
.

Deslizamentos e inundações - o que fazer?

UMBERTO CORDANI 

O Estado de S.Paulo

As tragédias do Estado do Rio de Janeiro ainda ecoam. Muito se fala sobre fatalidade, vulnerabilidade, falta de medidas preventivas e falta de alertas. Todos os anos os mesmos desastres se repetem. O que fazer?

No Brasil não ocorrem os desastres naturais que mais vítimas fazem no mundo. Não há terremotos, vulcões, tsunamis nem ciclones tropicais. Por outro lado, nossos flagelos são as inundações e os deslizamentos de terra, que voltam a ocorrer todo ano. Para ambos a causa é climática, as chuvas sazonais de verão. Não há como brecar a chuva e, consequentemente, não podem ser evitados os fenômenos da dinâmica da superfície da Terra que a ela se associam. Trata-se dos processos de erosão, sedimentação, alteração de rochas e formação dos solos, bem conhecidos dos profissionais de Ciências da Terra.

Como todo mundo sabe, inundações ocorrem como estágio evolutivo anual de qualquer rio, quando ele se alarga e ocupa a sua várzea, cujo nome técnico é o de "planície de inundação", denominação, aliás, bem sugestiva. Por sua vez, deslizamentos de terra são fenômenos normais do processo erosivo, que ocorrem sempre que existir relevo abrupto, formado por rochas alteradas, capeadas, por sua vez, por solo inconsolidado.

Pelo exposto, não há como impedir inundações e deslizamentos. Entretanto, eles podem deixar de ser desastres, se medidas preventivas forem tomadas a tempo. Ou seja, muitas perdas de vida poderão ser evitadas e os danos materiais poderão ser muito menores. O fatalismo associado a desastres naturais não é mais aceitável. Não se pode confiar na sorte, nas áreas de risco geológico conhecido, para depois ter de tomar medidas de remediação após as prenunciadas tragédias.

No Brasil, inundações periódicas ocorrem normalmente, não só ao longo dos rios, mas também nas zonas urbanas, como é o caso de São Paulo, sempre que a capacidade de escoamento é superada pela quantidade da água alimentadora. Apesar de trazerem enormes perdas materiais, as inundações não provocam grande número de vítimas, visto que normalmente há tempo suficiente para que as populações afetadas busquem abrigo em lugares seguros. Além disso, o competente sistema meteorológico brasileiro tem conhecimento das chuvas em tempo real e há controle das maiores drenagens, de modo que não haveria maiores dificuldades para implementar sistemas adequados de alerta para todo o território nacional.

Por outro lado, esse não é o caso dos deslizamentos de terra, maiores responsáveis pela perda de dezenas ou centenas de vidas em todos os verões, como no presente, em que cerca de mil vítimas foram contadas na região serrana do Estado do Rio de Janeiro.

Para prevenir deslizamentos ou mitigar os seus danos, não são suficientes o conhecimento meteorológico e a previsão de chuvas em qualquer escala de tempo. É necessário conhecer com propriedade as condicionantes geológicas locais das regiões com relevo importante. Tipos de rocha, de solos, inclinação das vertentes, características de alteração das rochas, etc. Entre outros, esses indicadores estão inseridos nas "cartas geotécnicas", elaboradas por meio de mapeamentos de detalhe por profissionais competentes em Geologia de Engenharia. Elas dão os elementos necessários ao planejamento de municípios quanto ao zoneamento urbano, tipos de ocupação, uso da terra, etc. e se constituem em ferramentas de caráter preventivo naquelas áreas sujeitas a desastres naturais. Infelizmente, em nosso país, poucos municípios as possuem.

Em todas as grandes cidades brasileiras - e os casos mais emblemáticos são os de São Paulo e do Rio de Janeiro -, áreas sujeitas a inundações e deslizamentos são ocupadas, muitas vezes clandestinamente, por moradores de baixa renda. É penoso constatar que as autoridades municipais responsáveis não conseguem coibir esses assentamentos, apesar das tragédias anunciadas. O que fazer? Diante do fait accompli, é imperioso remover, imediatamente, para áreas seguras moradores que vivem em áreas de grande risco. Por outro lado, medidas de reurbanização progressiva têm de ser planejadas para remover, a médio prazo, as demais comunidades vulneráveis, que ao mesmo tempo têm de receber instruções de prevenção. Em última análise, todos os municípios sujeitos a desastres naturais precisam implantar uma regulação técnica adequada ao crescimento populacional, controlando o processo de urbanização e organizando a Defesa Civil em razão do tipo de risco e das características do meio físico ocupado.

O novo ministro da Ciência e Tecnologia, corretamente, pretende criar condições para implantar no País a cultura de prevenção, preparação e alerta para desastres naturais. Pelas primeiras manifestações do Ministério, parece que os principais planos são os de melhorar a precisão das previsões meteorológicas e de implantar sistemas de alerta em todo o território nacional. Seguramente, isso poderá melhorar a prevenção e a mitigação dos danos causados pelas inundações. Entretanto, para os desastres mais agudos, mais contundentes relacionados com deslizamentos de terra, de pouco adiantará ter computadores mais potentes, radares meteorológicos mais precisos e uma quantidade colossal de sirenes. As condicionantes geológicas locais são os parâmetros mais importantes para poder antever, com alguma probabilidade, a ocorrência de deslizamentos de terra em lugares críticos. Cartas geotécnicas são indispensáveis e os recursos atuais de conhecimento e capacidade técnica da Geologia de Engenharia brasileira estão entre os mais respeitados do mundo.

Que o Ministério da Ciência e Tecnologia não deixe de utilizar essas áreas de competência.

DIRETOR DO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

O que são quatro anos sem radares?

Quando menciono a omissão do pacato e esclarecido cidadão brasileiro refiro-me, também, a este tipo de absurdo.


O interessante é que a briga dos partidos sobre os 600 cargos de segundo escalão da administração pública não gerou nenhum movimento da OAB, Igreja, Associações, ONG, nada, absolutamente nada.


Como é que se pode conviver pacificamente com tudo isto e não se lembrar de nada na hora de se colocar o voto na urna??
2083 parece tão distante...




O que são quatro anos sem radares?
CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O Estado de S.Paulo 28/02/11

Os radares, lombadas eletrônicas e pardais das rodovias federais não funcionam há quatro anos. O contrato com a empresa que cuidava disso foi encerrado em 2007 e o novo só começará a ser aplicado em março, se for cumprida a promessa do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), um dos órgãos mais cobiçados na partilha de cargos em Brasília. Difícil de acreditar.

Na última sexta-feira, reportagem da rádio CBN revelou que o pessoal do DNIT acha que não há nada de errado nisso. Quatro anos sem contrato? É assim mesmo. Vocês sabem, não é simples fazer uma licitação no Brasil, ainda mais quando se trata de comprar radares para todas as rodovias federais e administrar tudo isso. Uma trabalheira danada.

Os leitores e as leitoras não estão acreditando? Pois foi assim mesmo que o pessoal do DNIT explicou. Como qualquer pessoa que não seja um burocrata de Brasília sabe que quatro anos para instalar radares é um absurdo monumental, o que se pode concluir daí?

Primeiro: o sistema de licitações, contratações e licenças no Brasil ficou tão nonsense que o pessoal do setor também perdeu o juízo.

Segundo: a turma se acostumou com isso. Qualquer pessoa normal colocada na diretoria do DNIT ficaria desesperada com uma demora de quatro anos para fechar um contrato tão importante. Faria o diabo para adiantar isso e, no limite, diante do fracasso, se demitiria. (Mas alguém se demite por essas coisinhas em Brasília?)

Terceiro: está aí a prova cabal da ineficiência da administração pública e, mais ainda, da administração loteada politicamente.

Essa gestão é centralizada em Brasília, o contrato total chega a quase R$ 1 bilhão. Desperta interesses, cobiças, etc. e tal.

Imaginem o contrário, que as rodovias federais tivessem sido todas privatizadas, em diversos lotes. Os radares passariam a ser responsabilidade de cada concessionária, em uma administração descentralizada e flexível. O DNIT não teria de comprar nada, apenas fiscalizar o cumprimento do contrato de concessão. (Passei outro dia numa rodovia federal privatizada e estava cheia de radares.)

Mas aí não haveria R$ 1 bilhão para gastar nem cargos "bons" para nomear.

Não são apenas radares que estão apagados. Aeroportos e estádios da Copa, por exemplo, estão todos atrasados - e em todos os casos há problemas de licitação, licenças ambientais, fiscalização do TCU e "judicialização" - aquela circunstância em que tudo vai parar nos tribunais, todos rapidíssimos, como se sabe.

A receita para isso é um choque de privatização e uma mudança no ambiente de negócios.

Esquerda ou direita. Reforma da Previdência é igual no mudo todo. Trata-se de fazer com que as pessoas trabalhem mais, contribuam mais e se aposentem com vencimentos menores. Parece que o governo Dilma - ou parte dele - está retomando essa agenda, incluindo idade mínima para aposentadoria do pessoal do setor privado e o fim da aposentadoria integral para funcionários públicos.

Seria uma agenda de esquerda ou de direita? De direita, será a resposta majoritária por aqui, pois se trata, dirão, de limitar direitos e benefícios dos trabalhadores.

Na Espanha, porém, o governo é de esquerda, do Partido Socialista, chefiado por José Luis Rodriguez Zapatero. As duas centrais sindicais também estão na esquerda. Pois governo e centrais firmaram um pacto em torno de uma reforma que aumenta a idade mínima de aposentadoria de 65 para 68 anos e o tempo de contribuição de 35 para 38 anos. A pensão será calculada com base nos salários dos últimos 20 anos (em vez dos atuais 15), o que deve reduzir seu valor.

Como argumentou a esquerda espanhola? Que era preciso salvar o regime previdenciário e garantir a todos uma pensão razoável, um objetivo de justiça social que depende do equilíbrio financeiro do sistema. Até o ano passado, a Previdência espanhola estava no azul: as contribuições pagas pelos trabalhadores ativos eram mais do que suficientes para pagar as aposentadorias. Em 2010, porém, já se registrou um pequeno déficit. E eles estão reagindo antes que esse déficit se transforme em uma bola de neve.

Pode-se acrescentar. A introdução do sistema público de Previdência sempre foi uma agenda da social democracia e do socialismo não revolucionário. Portanto, impedir o colapso dessa política deve ser de esquerda. Não é mesmo? Por outro lado, tudo que limita direito dos trabalhadores deve ser de direita. Certo?

Ideologias à parte, os números indicam que a Previdência brasileira está no caminho do desastre. As duas, a do INSS e a do setor público. No ano passado, o déficit do INSS foi de R$ 44,3 bilhões. Em janeiro de 2011, de R$ 3 bilhões, isso com o salário mínimo a R$ 540, valor vigente desde o início do ano. Com o novo valor de R$ 545, o custo mensal adicional será de R$ 115 milhões; o anual, de R$ 1,5 bilhão.

Pela regra aprovada para o mínimo, o salário de 2012 deve ir a R$ 620 reais. O custo ficará em torno de R$ 23 bilhões ao ano, simplesmente a metade do valor atual do déficit.  Não tem a menor viabilidade.

O governo terá de aumentar impostos para financiar isso - e isso numa economia já sobretaxada por uma carga tributária que é a maior entre os países emergentes. Acrescente aí que o déficit do sistema de aposentadoria dos servidores públicos federais passou dos R$ 50 bilhões no ano passado, o que exige mais carga de impostos onerando toda a sociedade.

Não há a menor dúvida, o sistema já está quebrado. E então, aqui no Brasil, reforma da Previdência é de esquerda ou de direita?
.

MAIS ACESSO

FOLHA DE S. PAULO

O governo mostra-se disposto a ceder em regras para investimentos em infraestrutura, a serem cumpridas por parte das concessionárias de telefonia, em troca do envolvimento dessas empresas na expansão do acesso à internet.

O objetivo do Plano Nacional de Banda Larga é levar uma conexão menos precária a 68% das residências brasileiras até 2014. Hoje, menos de 20% dos domicílios do país dispõem do serviço.

Competiria à iniciativa privada, segundo a proposta em negociação, vender pacotes de 600 Kbps (kilobits por segundo) de velocidade por até R$ 35 em suas áreas de concessão.

Note-se que essa quantidade de dados não se enquadra na descrição de "banda larga" em países ricos. O presidente dos EUA, Barack Obama, anuncia a universalização do serviço em seu país prometendo conexão com velocidade mais de cem vezes superior à do plano brasileiro.

Em troca da garantia de preços mais baixos por parte das concessionárias, o governo de Dilma Rousseff acena com a suspensão de algumas metas voltadas para a telefonia fixa e centros de processamento de dados e voz.

A proposta é discutível, embora avance em relação ao que vinha sendo discutido até o final do governo Lula, quando se cogitou de a rediviva estatal Telebrás ser a empresa responsável pela implementação do plano.

É mais razoável usar a rede privada já instalada para ampliar o fornecimento das conexões. E, dado o controle de mercado que as empresas exercem em suas áreas de concessão, é correto o governo negociar o compromisso com preços mais acessíveis.

Há uma demanda reprimida por serviços de internet no país. Existem mais domicílios com computadores do que conectados à rede. Preços menores certamente diminuiriam a defasagem.

A ampliação do número de usuários também teria efeito em investimentos de infraestrutura, inclusive em parte das áreas mais deficitárias, visadas pelas metas de que o governo pode abrir mão.

A proposta só terá o efeito pretendido se o Estado melhorar a sua capacidade de fiscalização sobre as concessionárias. É preciso impedir que os serviços prometidos sejam encarecidos por subterfúgios como a venda casada de acesso à internet e à telefonia.

A negociação com as operadoras não pode ignorar que os serviços até aqui prestados são muito caros e ruins.
.

Ainda sobre nossa sofrível Educação: Casa do Sader

Bem, temos neste caso um notório e contumaz exemplo da responsabilidade, ou melhor, da irresponsabilidade do Estado na Educação de sua sociedade.

O articulista foi cirúrgico, oportuno e sutil, pois o trocadilho caiu muito bem. Ao invés da "Casa do Saber" colocou "A Casa do Sader" que representa uma deletéria, quando não estapafúrdia, postura de esquerda intelectual brasileira que insiste em dominar todos os recantos de nossa cultura sem deixar espaço para a controvérsia ou também como eles muito querem "um novo olhar". Dominam, de fato, o que podem e o que se está à frente.

Quando fazia faculdade em Brasília e também uma pós-graduação foi o período onde a esquerda mais se movimentou nos meios acadêmicos para debastar a confiança de uma parcela dita como "pensante" acerca da inviabilidade de se manter FHC no poder - vejam que ele também é de esquerda - com farto uso de escritores, intelectuais e figuras públicas.

Este senhor abaixo comentado tinha uma coluna obrigatória no Correio Brasilense, coalhado de pessoas ideologicamente comprometidas com a esquerda e contra o gov Roriz - diria até que ato louvável -. Também tinha sua coluna no Jornal do Brasil, reduto de leitura dos funcionários públicos antigos, de gordos DAS que, também, ocupavam nossas salas de aula propagando, quando não propugnando, sua muito peculiarizada visão de governo de esquerda "genuínamente popular".

Seus artigos destilavam ranço, platitudes e veleidades de um governo que hoje, após oito anos, nada mais demonstrou de prático e objetivo do que a pilhagem do erário. E o pior é que alguns professores nos cobravam, ainda que sutilmente, a leitura desse autor..."Vc leu o artigo do Sader no Correio desse domingo?  Não? Deveria...excelente artigo."

Aí a presidente a quem eu já começava a ter uma visão mais simpática em função de sua seriedade no orçamento, permite uma nomeação como este. É de lascar, convenhamos...


Não admira que continuemos a patinar em nosso desenvolvimento e redução de desigualdade social. Nossa, como 2083 parece distante...


Casa do Sader

Fernando de Barros e Silva
FOLHA DE S. PAULO

Emir Sader fez o que estava a seu alcance para abocanhar o Ministério da Cultura. Ganhou de presente a presidência da Casa de Rui Barbosa. Sader faria menos estrago no Ministério da Pesca. Talvez na Secretaria Nacional de Peixes de Águas Rasas -onde gosta de navegar.

O sociólogo, notório defensor do fuzilamento dos dissidentes cubanos pelo regime castrista, em 2003, é figura periférica no governo Dilma. Sua importância é ainda menor que a do colega do Turismo, aquele que pagou a conta do motel com dinheiro da Câmara.

Mas Sader é um ideólogo. E quer transformar a Casa de Rui Barbosa, reputada fundação de pesquisa histórico-literária, num centro de debates sobre o "Brasil para todos".

Na boa reportagem de Paulo Werneck na Ilustríssima de ontem, Sader usa o slogan do governo Lula para defender que a instituição, séria e com reconhecida vocação documental, deve ser politizada em torno de "grandes temas" do país atual. Quando um intelectual sente falta dos "grandes temas" é bom ficar atento: ou se trata de um gênio ou de Emir Sader.

Sua figura é representativa do que há de pior na esquerda: a convivência do oportunismo rasteiro com o ranço stalinista. "É preciso tratar de ter políticas culturais que consolidem na cabeça das pessoas as razões pelas quais o Brasil está melhor", disse ele ao jornal "O Globo". Sader vê o trabalho intelectual como uma mistura de propaganda do poder e catecismo marxista.

Desço agora a um detalhe da reportagem de ontem, onde mora o diabo (ou o ato falho): "Quem diria que aquele nego baiano tem muito mais articulação do que o Caetano?", diz Sader, supostamente elogiando Gilberto Gil. Inverto a ordem da frase, apenas para lhe dar um "realce", sem alterar nada de seu sentido: "Aquele nego baiano tem muito mais articulação que o Caetano, quem diria?". Quem diria que isso é preconceito de...? O leitor julgue por si.

.

"A Antropologia Empresarial e os desafios do século XXI"

 Luiz Marins    


Estes últimos anos têm sido para as empresas, empresários e mesmo executivos e funcionários do Brasil tempos de aprendizagem do empresariar numa economia estável.  Acostumadas à selvagem inflação que nos assolava há décadas as empresas e os consumidores haviam desenvolvido mecanismos de proteção que, se não eram totalmente eficazes, pelo menos faziam com que a empresa sobrevivesse.

 Veio o Plano Real e com ele a estabilidade que desconhecíamos. As empresas tiveram que, novamente, se ajustar a processos novos como uma nova visão dos preços relativos, agora conhecidos pela população. Começamos a saber o que é "caro" e o que é "barato" e o povo começou a ser mais exigente, mais seletivo em suas compras, a descobrir o conceito de "valor" agregado às compras que faz. 
E os prognósticos continuam bons para os próximos anos. Não há no horizonte nenhuma previsão de que a inflação volte aos níveis anteriores ou mesmo chegue aos dois dígitos mensais. O ciclo inflacionário do mundo acabou.

 Um novo governo é eleito. Sem desejar a volta da inflação e da instabilidade, o povo votou num Lula que prometeu antes de tudo o diálogo, a reconquista da auto-estima do brasileiro, a volta ao crescimento econômico penalizado pelo duro remédio da estabilização. Agora é a hora de acreditar num novo Brasil que está surgindo. É preciso compreender que os caminhos da estabilidade não são fáceis, mas que estamos conseguindo coisas que não poderiam ser sequer imaginadas há alguns anos. O setor siderúrgico está totalmente privatizado. Os monopólios estatais estão caindo. A economia brasileira é grande e complexa e, portanto, essas medidas demoram mais para serem implementadas no Brasil do que nos outros países da América Latina. É bom que saibamos que todo o PIB da Argentina é equivalente ao PIB do interior do Estado de São Paulo. Todo o PIB do Chile é equivalente ao PIB do Grande Campinas e todo o PIB do Uruguai é equivalente ao PIB do bairro de Santo Amaro em São Paulo. Assim, a diferença de magnitude precisa ser compreendida para que entendamos a razão da complexidade de nossas reformas.

 Os próximos anos serão ainda mais competitivos. A globalização se fará sentir ainda mais e a concorrência será cada vez mais mundial. Não estaremos mais competindo com nossas empresas da cidade, nem do Estado, nem do Brasil. Estaremos competindo globalmente. A ALCA e a integração do Brasil com o Mercosul e com a União Européia e mesmo com o ASEAN são inexoráveis.
Neste contexto, sobreviverá a empresa que tiver competência, estrutura de custos, caixa forte e pessoal altamente qualificado para produzir com qualidade e prestar o melhor serviço aos clientes e além disso, reinventar o seu setor, surpreendendo o mercado e os clientes com produtos e serviços fundamentalmente novos e diferentes.

Terá medo da concorrência a empresa que não compreender que é preciso construir hoje a empresa do amanhã. O sucesso hoje, não garante o sucesso amanhã. É preciso criar o amanhã. É preciso perguntar-se: Como será um dia típico de meu trabalho daqui a 5-10 anos? Quem serão meus concorrentes daqui a 5-10 anos? De onde virão os meus lucros daqui há 5-10 anos? O que a tecnologia estará oferecendo daqui a 5-10 anos e que poderá afetar o meu trabalho? Etc., Etc..

 Estamos vendo que as empresas estão, em sua maioria, olhando para o próprio umbigo ou através de um espelho retrovisor. Poucas são as que estão construindo o seu futuro, pesquisando oportunidades de novas tecnologias e novos mercados.
É preciso que entendamos que as empresas vencedoras hoje não foram aquelas que perguntaram o que o cliente queria. São vencedoras as empresas que surpreenderam o mercado com produtos e serviços fundamentalmente novos que nem os clientes imaginavam como possíveis. Assim, a Microsoft reinventa o computador pessoal com o sistema windows.  A 3-M reinventa o "recado" com o "Post-it", a TAM reinventa a aviação regional no Brasil. A McDonald's reinventa o "fast-food" e assim, veremos que as empresas que têm sucesso hoje foram aquelas que literalmente reinventaram o seu setor.  Não foram empresas que apenas fizeram melhor, mais rapidamente, com menos custo, aquilo que já faziam. Elas fizeram coisas fundamentalmente diferentes.

 Vencerá a concorrência neste processo de galopante globalização as empresas que forem capazes de se reinventar, de regenerar suas estratégias e de surpreender o mercado.

 Acredito, com muita certeza até, que o Brasil será nos próximos anos, uma das maiores plataformas exportadoras de produtos populares para grandes mercados como a China e Índia. Essa me parece ser a real vocação do Brasil no comércio internacional. 
Assim, o que de fato muda é que não será o maior que vencerá o menor, mas sim o mais ágil é que vencerá o mais lento. É preciso ser ágil, pensar rápido e agir mais rapidamente ainda. É preciso criar mecanismos eficazes para que nossos funcionários participem ativamente dos processos de decisão, planejamento e implementação de forma positiva e proativa. É preciso criar na empresa a necessária "inteligência"  para analisar dados demográficos, psicográficos e tendências futuras. É preciso conhecer cada vez melhor os mercados em que atuamos. É preciso, enfim, mudar, antes que seja tarde e mudar constantemente, pois a única certeza estável deste século XXI é a certeza de que tudo vai mudar a cada dia mais aceleradamente.

E o que a Antropologia Corporativa tem a ver com tudo isso?

Desde o australopitecus passaram-se três milhões de anos. Não houve nenhum período da história do homem em que tivéssemos tido tantas mudanças ocorrendo ao mesmo tempo. Viver, empresariar, trabalhar hoje é um desafio muito maior, muito mais complexo do que viver, empresariar, trabalhar a décadas atrás.  Se esses 3 milhões de anos fossem apenas um ano, essas mudanças radicais na ciência e na tecnologia seriam os últimos 15 segundos apenas. O ser humano não é "preparado" para esse "passo" de mudança. Não há ser humano "modelo novo" para enfrentar os desafios da globalização e do ciclo de vida curta dos produtos e do próprio conhecimento.  O homem hoje tem que ser um "novo homem" para poder sobreviver e vencer.

O que a antropologia corporativa faz é justamente analisar essas mudanças na vida corporativa e estabelecer, por pesquisas de observação participante, quais os "motivos" que as empresas em geral podem ter e a empresa pesquisada e cliente  pode encontrar no seu conjunto de pessoas para levá-la ao sucesso. Isso é "motivação".  Motivação é encontrar os "motivos"  muitas vezes escondidos dentro da cultura empresarial para fazer daquela organização um grupo harmônico, coeso, competitivo, aguerrido, inovador e comprometido.  E fazer com que esses "motivos" sejam transformados em "ação" ou seja, produtos e serviços que façam da empresa, uma empresa vencedora e das pessoas que nela trabalham, pessoas realizadas, felizes.

Análises e ferramentas tradicionais não funcionam mais.  Modismos  em modelos de gestão acabam sendo passageiros e não trazem resultados duradouros. Sem deixar de usar todos os recursos da mais alta tecnologia e ciência disponíveis, a sensação geral é de é preciso voltar ao "básico" da simplicidade e da compreensão dos "motivos" humanos para fazer, empreender, vencer.
.

REABERTURA DO CASO DO ALGODÃO?

O ESTADO DE S. PAULO

O contencioso comercial do Brasil com os Estados Unidos pode se complicar muito se for reaberta, no âmbito da OMC, unilateralmente, uma questão que estava resolvida, a saber, das reparações que o Brasil recebe como compensação pelos subsídios que o governo americano dá à produção algodoeira local. Sob o pretexto de ajudar no ajuste fiscal - tema politicamente crítico nos EUA -, o deputado Ron Kind, democrata do Wisconsin, quer emendar o orçamento, cortando os valores que vêm sendo transferidos ao Instituto do Algodão do Brasil. Se a proposição prosperar e for aprovada, o acordo bilateral obtido em 2009, em cumprimento de decisão da OMC, perderá validade, reabrindo-se a discussão sobre formas de retaliação, que podem tomar um rumo indesejável.

A proposta do congressista americano não contribuirá certamente para elevar as vendas externas de seu país e criar mais empregos, que é o desafio número um de Washington. O comércio com o Brasil no ano passado deixou um superávit de US$ 7,73 bilhões a favor dos EUA, o maior obtido por aquele país com seus parceiros globais. Mas o que o Brasil aspira não é impor gravames aos produtos originários dos EUA, mas, sim, exportar mais para o maior mercado do mundo.

Esta, aliás, sempre foi a posição brasileira desde que a OMC, em 2004, nos deu vitória no processo contra os EUA por causa dos subsídios ao algodão. Iniciou-se então um longo processo para se chegar a um acordo com Washington, quase cinco anos depois, quando a OMC fixou em US$ 829 milhões o valor que o Brasil poderia aplicar em retaliações contra produtos americanos importados. Como o governo brasileiro não desejava punir empresas que nada tinham a ver com a disputa, e uma medida como esta seria também desvantajosa para os nossos interesses comerciais, os EUA concordaram em pagar ao Brasil a quantia fixada pela OMC em parcelas de US$ 147 milhões por ano.

É uma ninharia em face do déficit fiscal dos EUA, estimado em US$ 1,6 trilhão no ano fiscal de 2011, correspondendo a 11% do PIB. Se o congressista Kind quer contribuir para a redução do déficit público de seu país, deveria propor a extinção dos subsídios agrícolas concedidos por Washington, medida, aliás, que vem sendo preconizada por setores políticos americanos. Os EUA distribuem entre US$ 10 bilhões e US$ 30 bilhões de subsídios por ano a cerca de 800 mil produtores rurais, dependendo da situação dos preços de mercado, dos prejuízos causados pelas condições climáticas e de outros fatores. Cerca de 90% desses subsídios vão para cinco produtos - trigo, milho, soja, arroz e algodão.

Com a alta das commodities no mercado internacional, não haveria melhor momento do que o atual para acabar com os subsídios. Praticamente todos os produtos subsidiados vêm tendo cotações muito acima do normal, o que é tanto mais verdadeiro com relação ao algodão, cujas cotações no mercado internacional batem recordes. Com as enchentes na Austrália e no Paquistão e a seca em outros países produtores, ao lado de uma demanda ainda muito aquecida por parte da China, o preço do algodão superou, pela primeira vez, a marca de US$ 2 por libra-peso neste mês. Só neste ano, os preços do algodão em bruto aumentaram 35%, a maior alta de todas as commodities, segundo o índice Reuters/Jeffries. E os EUA são de longe o maior exportador do produto.

Como observou Pedro Camargo Neto, presidente da Abipecs, e um dos mentores do processo do algodão na OMC, a decisão do órgão de conceder uma compensação ao Brasil, como país prejudicado pelos subsídios agrícolas - política que está longe de ser exclusiva dos EUA -, colocou um holofote sobre uma prática que ocasiona tantas distorções no comércio internacional, e cuja abolição o Brasil tem a obrigação de defender em todos os foros internacionais.

Se prevalecer o protecionismo nesse caso, forçando o governo brasileiro a impor restrições que não deseja sobre importações americanas, a Rodada Doha seria ainda mais prejudicada, e a própria OMC seria abalada em seus fundamentos. 
.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Os lugares comuns da Educação


Bem, cansei de ouvir falar que o problema do Brasil é a Educação. Não concordo que seja apenas um problema, são muitos, todavia virou lugar comum atribuir à Educação a fonte primeira e, quem sabe, a única de nossos problemas.

Claro está que com baixo nível de Educação uma sociedade tem muita dificuldade de se desenvolver, entretanto o nosso problema é que, de uns anos para cá, sobretudo quando a chamada “esquerda” queria alçar o poder começou a criar um mantra que é repetido em todos os cantos e rincões do país. Não só no Brasil como em todo o continente sul-americano e na América Central a “esquerda” vem sendo maioria arrasadora entre prefeitos, vereadores, deputados e governadores, em todos os países e todos, com pouquíssimas exceções tais como Costa Rica e Chile, não conseguiram diminuir a desigualdade social e atingir níveis decentes de desenvolvimento. Todos os demais, inclusive nós, patinamos em muitos dos segmentos mensuráveis de desenvolvimento tais como educação, saúde, emprego, saneamento básico, segurança pública, moradia etc etc.

O principal problema que vejo no mantra implantado pelos intelectuais e políticos de esquerda é que a falha de Educação deva ser atribuída ao Estado, todavia vejo ser um ledo engano. A Educação cujo Estado é o responsável pouco tem de atuação na formação do cidadão comparado aos demais vetores de formação aos quais todos nós concorremos.

Todos somos pacientes e agentes neste processo. A questão reside na nossa histórica e idiossincrática dificuldade de se responsabilizar pelo bem-comum e desenvolvimento coletivo. 

Se olharmos para as escolas públicas, a título de exemplo, subordinadas ao Estado temos o problema de infra-estrutura, falta de professores, baixa remuneração que interfere na qualidade do ensino. Mas também temos a violência de jovens entre si e contra professores e orientadores. Este problema é de difícil solução em função de nosso perfil leniente de enfrentamento do problema. Aluno que bate em professor tem a defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente.

A questão das matérias e do tempo que alunos passam em sala de aula e sua capacidade de agregar valor sofre forte influência de correntes ideológicas dos pedagogos e educadores. Matérias de cunho prático têm que dividir terrenos com matérias “de conscientização e de cidadania”. Não admira nossos pífios resultados em competições internacionais de ensino bem como a flagrante falta de mão-de-obra qualificada no mercado, sobretudo em indústria de transformação e de produtos de alto valor agregado, onde passamos pelo vexame de recrutar estrangeiros melhores preparados.

A questão maior que vejo é que o cidadão, em sua postura omissa de vivenciar uma democracia responsável, atribui ao Estado, quando não a outrem, o problema. Ele não consegue enxergar sua parcela de responsabilidade.

Eu vejo que o cidadão comum falha no processo educacional de muitas formas nas quais o Estado não tem responsabilidade direta. As novelas, os programas vespertinos de violência, as músicas maliciosas, o comportamento pouco ético no dia a dia, sobretudo ao querer levar vantagem nos pequenos eventos  econômicos, falar ao celular, estacionar em filas duplas, ocupar vagas de deficientes e idosos em estacionamentos, dirigir de forma irresponsável, dar golpe no imposto de renda ou em qualquer outra transação comercial, comprar produtos piratas, clonar cartões, avançar sinal amarelo, bloquear cruzamentos, enfim, uma miríade de atos pouco éticos ou recomendáveis que, todos os dias se verifica em qualquer das 5640 cidades brasileiras. Claro está que crianças e jovens aprendem com estas desditas e mais adiante as praticam com naturalidade, pois os mau-exemplos são fartos e pululantes.

Acredito que mesmo que conseguíssemos fazer jorrar petróleo em nosso quintal ao arrancar capim ou ervas daninhas ainda assim não teríamos embocadura para sermos país de primeiro mundo e se, por acidente, atingíssemos tal patamar, nele não nos manteríamos por muito tempo.

Desde que acompanho, com atenção, noticiários e leio jornais, e lá se vão mais de quarenta e cinco anos, sempre a Educação em sua incipiência ou falta, é o cerne de nosso atraso. Só que neste tempo todo, o pacato, serelepe, alegre e “tudaver” cidadão brasileiro ainda não conseguiu enxergar sua parcela de responsabilidade nesta complexa equação.

Enfim, quem sabe se, com tanto acesso à comunicação, afinal temos mais de 95% de lares com televisões e mais de 98% com rádios, consigamos lá por...vejamos... 2083 iniciar um movimento coletivo de mudança. Bem, vou esperar meus netos no céu para perguntar se deu certo.
.

Distritinho e distritão

 GAUDÊNCIO TORQUATO
O ESTADO DE SÃO PAULO

Ponto um: nos termos do parágrafo único do artigo 1.º da Constituição, "todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".

Ponto dois: nos termos dos artigos 45 e 46 da Constituição Federal, os deputados federais representam o povo e os senadores representam os Estados e o Distrito Federal. Ponto três: os deputados são eleitos pelo sistema proporcional e os senadores, pelo sistema majoritário.

Ponto quatro: se o povo vota em um candidato e este, com sua bagagem de votos, leva para o Parlamento mais dois ou três de contrabando, esses excedentes ferem o princípio constitucional alinhavado no primeiro item.

Ponto cinco: a representação popular, para ganhar respeito e legitimidade, deve se submeter a uma radiografia moral a fim de se conformar aos ditames constitucionais.

Ponto seis: o exercício do poder em nome do povo é tese ancorada na hipótese de escolha dos eleitos de acordo com o preenchimento das vagas que cabem a cada Estado. Ponto sete: essa hipótese abriga o voto majoritário, que, adotado na escolha dos representantes do povo, acabaria com a excrescência gerada por coligações proporcionais, pela qual o eleitor vota em um candidato e, alheio à sua vontade, elege mais um, dois ou até mais de três.

Dito isso, vale perguntar: que vertentes abrigam o voto majoritário? Neste início de debate sobre reforma política, que Senado e Câmara começam a debater sob a égide de comissões específicas, duas propostas se sobressaem por privilegiar o voto majoritário: os sistemas conhecidos como "distritinho" e "distritão". O primeiro, que tem como um de seus defensores o governador paulista, Geraldo Alckmin, se assenta na ideia de escolha dos representantes a partir de distritos, pelo critério dos mais votados, abolindo-se as coligações partidárias. Teria como finalidade estabelecer ligação mais estreita entre o parlamentar e as regiões. A representação popular seria escolhida exclusivamente por este critério - o voto distrital puro -, abolindo-se, dessa forma, o voto em lista partidária.

Pelo segundo sistema, o "distritão", cujo maior defensor é o vice-presidente da República, Michel Temer, seriam eleitos os mais votados até o limite das vagas por Estado. Esse método eliminaria também a distorção de eleição de pessoas sem votos suficientes para representar o povo. Nesse caso, o distrito seria o próprio Estado (distritão), diferente da proposta anterior, de repartir o ente federativo em unidades distritais em conformidade com suas densidades eleitorais.

Entre as duas propostas, qual a mais condizente com o preceito constitucional? O "distritão" parece mais afinado à letra normativa. O Estado como distrito e circunscrição eleitoral, nos termos propostos por Temer, se ajusta melhor ao modelo de representação do povo brasileiro, esteja ele em São Paulo ou no Acre. O deputado é a voz do povo no Parlamento. Já a concepção do "distritinho", nos termos apregoados por Alckmin, aponta para a identificação do parlamentar com a localidade, a espacialidade, características próximas da representação senatorial. O senador é a voz do Estado no Parlamento. Ademais, o poder econômico é mais forte em regiões restritas. É aí que predomina a força dos cabos eleitorais. É aí que se flagra o "voto de cabresto", diferente do voto de opinião, racional e crítico, que emerge no seio dos conjuntos mais avançados politicamente.

O argumento de que o voto majoritário enfraquece os partidos é sofisma. Para começo de conversa, o que seria melhor para vivificar a política: 28 siglas amorfas ou 10 partidos com ideários fortes e claros? A massa pasteurizada da política é produzida pelos laboratórios de conveniências da estrutura partidária. Dizer que as campanhas, hoje, são realizadas em nome dos partidos é faltar com a verdade. Hoje, vota-se no perfil individual, não no partido. As campanhas são fulanizadas. Todos os entes - com exceção de uma ou outra sigla do extremo ideológico - bebem em fontes incolores, insossas e inodoras.

O que ocorreria com a adoção do voto majoritário e consequente eliminação das coligações proporcionais seria a integração/fusão de partidos. A busca de maior força e densidade propiciaria natural integração de parceiros, principalmente de pares com identificação histórica ou parentesco ideológico.

É improvável que os partidos, no afã de obter grande votação, passem a compor suas chapas com demagogos, populistas, celebridades e famosos. Uma plêiade de olimpianos (perfis que habitam o Olimpo da cultura de massa) tenderia a se isolar.

Fora de seu hábitat, sem vocação e motivação, acabariam sendo objeto de muita crítica. Após a fosforescência inicial, os pequenos "deuses" desceriam à terra dos mortais, tornando-se figuras banais, até porque não contariam mais com agasalho midiático. O que será de Tiririca sem o chapéu de palhaço no circo da mídia? A vida útil de uma celebridade, sem a luz do farol, é curta. Não se deve esquecer, ainda, de que o País, a cada ciclo histórico, avança na estrada civilizatória. Haverá um momento em que o eleitor, mais racional, exigirá que cada macaco permaneça em seu galho.

Quanto ao voto em lista fechada - visto por alguns como eixo de fortalecimento dos partidos -, são evidentes as consequências perversas que gera, ao conferir excessivo poder aos caciques partidários. Estes formariam as listas posicionando os nomes de acordo com suas conveniências.

Cada sistema de sufrágio, como se pode aduzir, comporta prós e contras, alguns mais que outros, mas o critério de escolha pela via do voto majoritário, e atendendo ao preceito da escolha dos mais votados, parece, seguramente, o mais adequado. Para o eleitor, tal método se apresenta ainda como o mais lógico e de fácil compreensão. Começar o debate sobre reforma política pelo sistema de voto é, portanto, a mais auspiciosa notícia da estação.

JORNALISTA, É PROFESSOR TITULAR DA USP E CONSULTOR POLÍTICO E DE COMUNICAÇÃO

GEOMAPS


celulares

ClustMaps