Sergio Tostes
O Globo
Dois temas tomaram o noticiário nas últimas semanas. Do exterior, dominou o cenário a revolta do povo egípcio contra um regime esgotado. Do Brasil, a discussão girou em torno do rateio de cargos do segundo e terceiro escalões pelos partidos que apoiaram a eleição da presidente Dilma Rousseff. No mesmo bloco, as aposentadorias pagas a ex-governadores, ex-deputados, as negociações entre Poder Público e outros abusos do gênero. Mais grave, na questão nacional, foi a naturalidade com que os alvos das notícias defenderam seus "direitos". Tudo à luz do dia, sem qualquer pudor.
O discurso dos beneficiados passou ao largo de qualquer noção de moralidade. A começar pela aberração de imaginar que alguma lei possa proibir revelar nomes de aquinhoados por benesses do Poder Público. É óbvio que isso viola princípios constitucionais.
Na mesma linha, há evidente desvio quando detentores de mandato parlamentar reivindicam cargos de direção em empresas estatais, vinculadas ao Executivo. A independência dos três poderes da República é da essência do regime democrático. Cada poder tem por dever fiscalizar os demais. É pois inconstitucional que o apoio parlamentar fique condicionado à obtenção de cargos providos pelo executivo. E, pior, totalmente imoral.
Os recursos do Erário, por definição, pertencem a todos os cidadãos e devem atender o interesse geral. Os mandatos conferidos em eleições livres para ocupantes dos poderes Executivo e Legislativo têm incumbências específicas descritas na Constituição. Os princípios da impessoalidade, da moralidade e da legalidade devem andar juntos. Lei nenhuma se sobrepõe a essas regras sagradas.
É dever exclusivo do Poder Executivo nomear ou indicar pessoas qualificadas para cargos públicos, inclusive para fixar a responsabilidade do Executivo na ocorrência de algum mal feito. Para alguns cargos, cuja responsabilidade exceda à própria capacidade de fiscalização do Executivo, é necessária a aprovação pelo Senado. É o caso, por exemplo, de indicações para o Supremo Tribunal Federal, agências reguladoras e outras.
Circunstâncias políticas sempre existiram e sempre existirão. Decorrem do sistema de eleições livres. Mas o apadrinhamento não pode prevalecer sobre a capacitação individual. Nesse sentido, os dias iniciais do governo Dilma têm sido irretocáveis. As indicações e nomeações têm tido a aprovação de todos porque, independentemente de qualquer coloração partidária, são pessoas altamente qualificadas e testadas para as funções que exercerão.
O País passa por um momento único, quando as perspectivas almejadas por tantas gerações de brasileiros se afiguram atingíveis. O setor privado dá demonstrações sobejas de que compreende o momento e se aprimora. A população acompanha o ritmo e sua preocupação em melhorar suas qualificações é emocionante. A mobilização espontânea e contagiante, de Norte a Sul, de auxílio aos flagelados da Região Serrana do Rio de Janeiro foi uma demonstração marcante de civismo e solidariedade humana.
As autoridades públicas mais do que nunca devem estudar esse belo exemplo de exaltação de cidadania, e, no âmbito de suas respectivas competências, serem os legítimos porta-vozes do interesse geral. Nenhum país se sustenta desenvolvido sem equilíbrio social.
Quando bens públicos são usados para satisfazer interesses privados, o dono do poder, o povo brasileiro, como sabiamente indicado na Constituição, se inquieta. É preciso superar essa era. A democracia plena foi uma penosa conquista. A responsabilidade de coroá-la com a harmonização das diversas camadas sociais é dever das autoridades constituídas e, muito especialmente, das classes mais influentes.
Desobedecer às leis da natureza tem por pena desastres como o que atingiu o Estado do Rio de Janeiro. Desafiar a paciência do povo, que é enorme mas esgotável, leva a situações como a de Hosni Mubarak, no Egito. O recado não poderia ser mais claro.
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