segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

O Brasil que protege os refugiados

Juliano Basile
VALOR ECONÔMICO

Se tivesse prevalecido o entendimento de Luiz Paulo Barreto, o caso Battisti provavelmente não estaria nas páginas dos jornais brasileiros e italianos como um foco de desentendimento entre os dois países. Barreto foi autor do voto decisivo no Comitê Nacional de Refugiados (Conare) que negou o status de refugiado político ao ativista italiano Cesare Battisti. Depois do seu voto, restava, então, enviá-lo de volta para a Itália e por um ponto final no processo.

Mas o voto de Barreto, que foi o último num placar de 3 a 2, não prevaleceu. Numa decisão inédita, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, foi contrário à posição do Conare. Ele reviu a decisão do conselho e concedeu o refúgio a Battisti. Esse foi o estopim para que o caso fosse enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde foi julgado, em 2009, e voltou, neste mês, depois que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu pela manutenção de Battisti no Brasil.

Quase dois anos depois do seu voto, Barreto organizou um livro sobre refugiados - assunto no qual é especialista. O livro foi lançado nas celebrações dos 60 anos do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), em 14 de dezembro. Na época, Barreto era ministro da Justiça. Hoje, é secretário-executivo da pasta.

São sete artigos. Barreto é autor de dois. No primeiro, ele conta a história da lei de refugiados no Brasil. "Há fatos memoráveis", diz Barreto. "Certa vez, jovens cidadãos chilenos procuraram a Arquidiocese do Rio de Janeiro com uma carta de recomendação do Vicariato de Solidariedade do Chile pedindo que fossem protegidos no Brasil pela Igreja Católica." A carta foi encaminhada ao cardeal dom Eugenio de Araújo Sales, em abril de 1976. "Na época, era impossível se pensar numa assistência do governo brasileiro a essas pessoas", continuou o autor, lembrando os governos militares que vigoravam no Brasil e no Chile. Ao fim, o cardeal ligou para o comandante geral do Exército e, ao invés de denunciar os chilenos, comunicou que, a partir daquele momento, passaria a acolher pessoas perseguidas do Chile, da Argentina e do Uruguai, com recursos da própria igreja.

No segundo artigo, Barreto faz comentários à legislação brasileira. Hoje, o país conta com 4.306 refugiados de 75 nacionalidades. "O número não é grande, mas a grande variedade de nacionalidades compõe um quadro muito rico de pessoas que tiveram problemas em seus países de origem, nas mais longínquas partes do mundo, e encontraram no Brasil a possibilidade de reconstruir suas vidas", afirma o autor.

Além de artigos e de uma seção dedicada à jurisprudência, o livro traz fotos e um prefácio de uma página escrito pela atriz hollywoodiana Angelina Jolie. Ela atua como embaixadora da ONU para refugiados. Diz Angelina: "O Brasil tem generosamente recebido migrantes e refugiados por décadas, e tem feito isso com respeito aos seus direitos e à sua dignidade humana". Para a atriz, a experiência brasileira é bastante positiva num "mundo onde refugiados e estrangeiros são com frequência estigmatizados e marginalizados devido ao racismo e à xenofobia". "Nós temos muito que aprender com a positiva experiência brasileira em relação aos refugiados", conclui Angelina, que, por certo, não lê os jornais brasileiros e italianos que todos os dias trazem os desentendimentos de ambos os governos em torno do caso Battisti.

"Refúgio no Brasil - A Proteção Brasileira aos Refugiados e o Seu Impacto nas Américas".

Luiz Paulo Teles Barreto (org.). Ministério da Justiça e Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Gratuito.

Pode ser obtido pelos sites: http://www.mj.gov.br/ ou www.acnur.org/t3/portugues

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