segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

DE DAVOS AO SENEGAL

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O Fórum Econômico Mundial, em Davos, e o Fórum Social Mundial, em Dacar, neste começo de 2011, contrastam enormemente em geografia humana, política e econômica, mas os dois serão responsáveis pelo tom do atual e dos próximos anos em todos os grandes problemas econômicos e sociais. O primeiro, realizado no templo do capitalismo, a Suíça, onde foi gerada, há 63 anos em Mont-Pelerin, a doutrina que é vigorosamente rejeitada pelo segundo desde seu nascimento, há 11 anos, em Porto Alegre. Essa doutrina – o neoliberalismo – representa o muro que separa a ideologia dos dois fóruns, mas ficou visto desta vez em Davos sem a rigidez de antes da grande crise global de 2008. O que sinalizou para essa mudança foi a linguagem do encontro das potências econômicas na Suíça, este ano também preocupado com os conflitos no Norte da África, com a pobreza e o meio ambiente.

Esses dois temas – pobreza e meio ambiente – eram, até este ano, marcas registradas do Fórum Social Mundial, que dá forma e conteúdo às preocupações que lhe deram origem, com mais um encontro na África, onde estão todos os desvios históricos da chamada civilização ocidental, principalmente o pilar – o colonialismo – que sustentava e continua sustentando a exploração daquele continente. O encontro que reúne organizações sociais de todo mundo chegou ao Senegal saudando as jornadas de lutas na Tunísia, Jordânia e Egito e deixa “o compromisso histórico e solidário com as lutas do povo africano pelo fim do colonialismo, contra a militarização, o patriarcado, pelos direitos dos migrantes e pela soberania”, como afirmou em manifesto a Coordenação dos Movimentos Sociais.

O segundo encontro do Fórum Social no continente africano – o primeiro foi no Quênia, em 2007 – foi animado pela ideia de que um outro mundo é possível, contraponto ao mundo representado por Davos, mas ambos sujeitos à mesma apreensão diante das tensões em países do Norte da África e do Oeste, a Costa do Marfim. Essa preocupação está mais centrada no Egito pelo potencial de agravamento do confronto entre países de maioria muçulmana e Israel, mas é sobre os grandes temas sociais que deverão ir além da crise por que passam países africanos que o Fórum concentra as atenções, questões como a crise global e quem vai pagar a fatura, as restrições à liberdade, a xenofobia, as migrações, a militarização.

O Brasil tem naturalmente papel destacado no Fórum Social Mundial, porque foi aqui que ele nasceu, em 2001, e daqui espalha a preocupação dos movimentos sociais. Foi a partir do grande encontro de Porto Alegre que os ventos começaram a soprar na direção contrária a Davos, onde o então presidente Lula debutou em 2003 com um discurso que repetiu agora no Senegal, atraindo toda simpatia dos participantes de 120 nações. A empatia do ex-presidente brasileiro foi destacada na imprensa senegalesa, em contraste com a pouca atenção dada ao discurso do presidente Abdoulaye Wade. Um jornal daquele país chegou a contrapor as fotos dos dois, afirmando que a expressão de Wade – ante a ovação recebida pelo ex-presidente brasileiro – era de despeito e raiva.

Talvez o maior significado deste encontro na África seja a possibilidade que ele oferece de se desenvolver uma nova abordagem para um velho problema: a capacidade de transpor todas as supostas barreiras à superação das gravíssimas fraturas sociais que pesam sobre o continente, que vão de uma pandemia de aids à evasão de recursos pela exploração colonial, pela luta interna e a corrupção no poder. A todos os problemas africanos a pouca resposta que foi dada pelos países mais desenvolvidos sempre foi restrita à ajuda econômica, cuja destinação dos recursos nem sempre era – e é – cumprida. A fórmula brasileira parece a mais acertada e foi enfatizada agora no Senegal: o Brasil vem abrindo embaixadas na África e, simultaneamente, transferindo conhecimento para que o próprio africano dê o impulso necessário a transformações autossustentáveis, fundamentais para a autodeterminação dos povos.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps