quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A VEZ DE GADDAFI

FOLHA DE S. PAULO

Ditador, que bombardeia manifestantes na tentativa de preservar poder, é novo alvo da revolta que está mudando as feições do mundo árabe

Reprimir manifestações de sua própria população com bombas lançadas de aviões e rajadas de metralhadoras disparadas de helicópteros é, até para os padrões das piores ditaduras árabes, uma sinistra inovação.

Mais recente alvo dos protestos que varrem o mundo árabe, o ditador líbio, Muammar Gaddafi, apela à violência desenfreada em busca de um desfecho diferente do de seus colegas de tirania. O número de mortos, de 300 a 500, segundo estimativas, já é maior do que o registrado no Egito e na Tunísia.

As diferenças entre a Líbia e seus vizinhos não se restringem apenas à magnitude do contra-ataque governamental.

Os 41 anos de ditadura de Gaddafi, ainda mais personalista e repressora que a média dos regimes da região, contribuíram para sufocar o florescimento de qualquer tipo de atuação política. Quando o militar de 27 anos assumiu o poder, num golpe em 1969, o país tinha apenas 18 anos de independência, sob uma monarquia. Antes, havia sido colônia italiana e, num passado mais distante, parte do Império Otomano.

A descoberta de petróleo em 1959 ajudou a Líbia a sair da pobreza extrema e tornar-se uma das nações mais ricas da África; os ganhos não se traduziram, porém, em implantação compatível de infraestrutura e avanços na institucionalização do Estado.

Agora, as defecções de militares e de diplomatas em reação aos massacres promovidos pelo governo revelam fissuras no poder. A bandeira que o país adotava antes da ascensão de Gaddafi é hasteada em embaixadas líbias por diplomatas dissidentes. Torna-se um símbolo da revolta.

A incógnita é o que se seguirá a uma possível derrubada do ditador. "Muammar Gaddafi é história, resistência, liberdade, glória, revolução", discursou o déspota ontem. É, na realidade, a personificação do Estado. Sua queda significaria a dissolução total do regime. Ainda não se conhecem forças minimamente organizadas capazes de ocupar o vácuo, como os militares no Egito.

Assim como ditadores latino-americanos manipulavam a ameaça comunista, o líder líbio, em busca de algum apoio internacional, acena com o risco dos radicalismos islâmicos. Seus apelos dificilmente serão ouvidos.
Os EUA, após ensaiarem uma aproximação com Gaddafi, passaram a criticar com veemência a situação do país. Parecem inclinados a se redimir da atuação atabalhoada que tiveram no Egito, quando sustentaram Hosni Mubarak além do que seria prudente.

O Brasil, até aqui, tem adotado discreta mas firme atitude em relação às revoltas. Mantém cautelosa distância dos eventos da região, onde não tem interesses imediatos. Ontem à noite, sob a presidência brasileira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas cobrou "fim imediato da violência".

O mundo árabe já não será mais o mesmo. Se não é certo que as revoltas em curso levem à formação, naqueles países, de regimes plenamente democráticos, parece inevitável que algum tipo de abertura e arejamento sobrevenha.
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