terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Os direitos dos brasileiros no exterior


Alexandre Barros
 O Estado de S.Paulo

Recentemente a presidente Dilma Rousseff determinou ao ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, a revisão da política de direitos humanos do governo brasileiro. A providência veio em boa hora. O governo passado escorregou no apoio aos direitos humanos pelo mundo. Seja em Cuba, por um antiamericanismo atávico herdado dos tempos da ditadura militar, seja no Irã, por um cálculo que só a História provará se estava certo ou errado. Ele considerou que era importante defender as pretensões nucleares iranianas como um habeas corpus preventivo em relação à postura brasileira vis-à-vis o poder nuclear.

Explico. Apesar da retórica oficial, o Brasil vem desenvolvendo um programa nuclear que, quase seguramente, nos próximos 10 a 20 anos, colocará o Brasil numa situação internacional semelhante à do Irã hoje: enfrentando oposição das potências nucleares em relação às suas ambições.

Não foi acidente que o aliado brasileiro neste caso foi a Turquia, distante e pouco conhecida do Brasil, mas que tem no cenário internacional uma posição semelhante à brasileira: tem ambições nucleares.

No fundo, Brasil e Turquia quiseram garantir, com a oferta de mediação entre o Irã e os Estados Unidos, um aliado potencial para enfrentar no futuro a oposição que deve ocorrer às políticas nucleares de ambos os países.

Outra área em que a diplomacia brasileira se vem destacando é a comercial. Nesta tem agido com mais velocidade e mais energia em defesa dos investimentos brasileiros no exterior, sejam comerciais, financeiros ou industriais. Pelo andar da carruagem, tudo indica que a expansão financeira, econômica e comercial do Brasil se acelerará, e a diplomacia brasileira vem-se adaptando a esse novo ritmo.

Falta, entretanto, uma área ainda mais fraca - como todas as que congregam consumidores difusos, e não grandes empresas capazes de se organizar e contratar profissionais para defender seus interesses: os cidadãos brasileiros no exterior.

Graças ao progresso de transportes e comunicações no mundo, pessoas viajam mais. Além disso, o crescimento econômico brasileiro, especialmente nos últimos 16 anos, aumentou a capacidade financeira dos brasileiros de viajar para o exterior (melhor distribuição de renda e maior valorização do real), bem como os desejos e as necessidades de viagem de brasileiros, seja por curiosidade turística, por necessidade de estudo, trabalho, aperfeiçoamento ou crenças religiosas.

Nessa área os brasileiros infelizmente ainda estão num estado próximo da orfandade. Já que não fomos parte de um grande ex-império recente, como no caso da França e da Inglaterra, os brasileiros não gozam de algumas proteções que aqueles países estendem a cidadãos de suas ex-colônias. Esse é o lado externo.

Do lado interno, como os brasileiros não viajavam tanto, os consulados brasileiros no exterior levavam uma vida mais tranquila. Não tinham muito o que fazer, em razão mesmo da inexistência de uma grande clientela brasileira para atender no exterior.

Isso está mudando rapidamente. Os disparadores recentes foram a detenção e o repatriamento de uma brasileira, professora da Universidade de Brasília, impedida de entrar na Espanha na última semana de janeiro. Detida, interrogada e repatriada sem nem sequer entrar formalmente em território espanhol. Estamos diante de uma atitude desagradável, mas, até certo ponto, legal, de agentes fronteiriços espanhóis que optaram por exercer suas funções de maneira inflexível. Problema das relações Brasil-Espanha. Pode ser encaminhado pelo governo brasileiro com uma negociação tranquila ou com um aumento do tom na discussão diplomática. O episódio não é novo, tem-se repetido ciclicamente.

Do lado de cá, segundo o depoimento da professora, entretanto, a situação tem nuances envolvendo o governo brasileiro: ela contatou o consulado brasileiro em Madri por telefone e foi informada de que o consulado não poderia fazer muito. No máximo, poderia mandar um fax.

Segundo ela, em algum momento apareceram um homem que se identificou como advogado (não se sabe se mandado pelo consulado ou não) e uma intérprete. Após uma conversa breve e algumas horas de detenção no Aeroporto de Madri, ela foi recolocada sob escolta num avião e mandada de volta para o Brasil.

A afirmação do funcionário do consulado que atendeu o telefonema lembra um desastrado episódio vivido por José Serra na campanha presidencial de 2002, quando, abordado por uma eleitora numa favela de São Paulo, mal ouviu o que ela tinha a dizer e sugeriu que ela lhe mandasse um fax.

Ou seja, mudou o status do Brasil no mundo, está mudando o mundo e os brasileiros têm necessidades diferentes e maiores em suas viagens ao exterior, cada vez mais constantes.

Chegou a hora de estender o recado da presidente Dilma ao ministro da Relações Exteriores para que o Brasil e nossas embaixadas revejam a postura do Estado brasileiro perante os direitos humanos e os consulados. Estes, que são subordinados às embaixadas brasileiras (de facto), também precisam rever rápida e seriamente sua postura em relação à defesa dos brasileiros no exterior.

Brasileiros viajam mais, ganham mais dinheiro, pagam impostos altos e são quem sustenta toda a caríssima estrutura estatal, no Brasil e no exterior.

Não se trata apenas de providenciar que as enchentes não parem as metrópoles brasileiras ou que pessoas não apodreçam nas cadeias nacionais por descuido burocrático, mas também de dar todo o apoio aos cidadãos brasileiros que estão no exterior, passeando, trabalhando, estudando ou cultuando. Todos são direitos civis que temos e são sustentados por impostos que pagamos.

CIENTISTA POLÍTICO, É DIRETOR GERENTE DA EARLY WARNING: RISCO POLÍTICO E POLÍTICA PÚBLICA (BRASÍLIA) 
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