sábado, 19 de fevereiro de 2011

ELEFANTE SOBRE TRILHOS


EDITORIAL
FOLHA DE S. PAULO


Tentativa de envolver Eletrobras e Correios na construção do trem-bala ressalta os cada vez mais notórios problemas da obra 

O governo federal ainda não sabe como vai reduzir as despesas neste ano de modo a alcançar meta de cortar R$ 50 bilhões do Orçamento aprovado pelo Congresso.

Apesar do louvável interesse em reequilibrar as finanças públicas, os excessos de gastos de 2010, o engessamento da despesa em itens obrigatórios e as promessas de não reduzir investimentos e benefícios sociais tornam a missão extremamente difícil.

Não obstante, o governo ainda se dedica intensa e criativamente à tarefa de tornar possível a licitação do trem-bala, já fracassada em dezembro de 2010 e adiada para abril próximo.

A adversativa se deve ao fato de que o projeto do trem de alta velocidade depende não apenas de subsídios implícitos, empréstimos do BNDES a taxas de juros reduzidas e outros favores oficiais. Será preciso, ainda, algum aporte direto do governo federal. Note-se, por exemplo, que a empresa que vier a vencer o leilão terá de associar-se a uma nova estatal, que receberá ao menos R$ 3,4 bilhões .

A fim de evitar um novo fracasso do leilão por falta de empresas privadas interessadas e, aparentemente, no intuito de explorar o caixa de empresas estatais como fundo de recursos, o governo alardeia agora que Correios e Eletrobras deverão se associar ao empreendimento.

As duas empresas teriam interesse na obra devido a "sinergias": o trem-bala transportaria material postal e a estatal elétrica forneceria energia. Trata-se de um novo remendo nesse projeto de duvidosa racionalidade econômica e fiscal.

Mesmo no otimismo dos planos que subsistem apenas no papel timbrado das burocracias, o trem de alta velocidade depende de juro subsidiado, recursos do Tesouro e perdão de dívidas caso a empresa vencedora não fature o suficiente na exploração do negócio. Ainda assim, empresas privadas não se interessaram pelo projeto.

Críticos independentes e de dentro do próprio governo observam que a obra ainda não tem projeto detalhado, o que impede a determinação exata de seus custos. Ou seja, talvez a injeção de subsídios tenha de ser ainda maior.

Num país com carências tão gritantes de infraestrutura produtiva e social, parece difícil justificar o sentido público de um projeto antieconômico e de escasso impacto estratégico e tecnológico.

Não bastassem esses óbices, procura-se agora envolver duas estatais que mal cumprem suas atividades precípuas. São notórias a crise de eficiência dos Correios e sua malversação política, problemas que se repetem na gestão das subsidiárias da Eletrobras.

Em síntese, em vez de dar respostas -se isso é possível- aos questionamentos sobre a prioridade e sobre a viabilidade comercial do empreendimento, o governo apenas manobra a fim de executar, a qualquer custo, uma obra que tem lamentável semelhança com elefantes brancos do desenvolvimentismo irresponsável do final do regime militar.
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