segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Deslizamentos e inundações - o que fazer?

UMBERTO CORDANI 

O Estado de S.Paulo

As tragédias do Estado do Rio de Janeiro ainda ecoam. Muito se fala sobre fatalidade, vulnerabilidade, falta de medidas preventivas e falta de alertas. Todos os anos os mesmos desastres se repetem. O que fazer?

No Brasil não ocorrem os desastres naturais que mais vítimas fazem no mundo. Não há terremotos, vulcões, tsunamis nem ciclones tropicais. Por outro lado, nossos flagelos são as inundações e os deslizamentos de terra, que voltam a ocorrer todo ano. Para ambos a causa é climática, as chuvas sazonais de verão. Não há como brecar a chuva e, consequentemente, não podem ser evitados os fenômenos da dinâmica da superfície da Terra que a ela se associam. Trata-se dos processos de erosão, sedimentação, alteração de rochas e formação dos solos, bem conhecidos dos profissionais de Ciências da Terra.

Como todo mundo sabe, inundações ocorrem como estágio evolutivo anual de qualquer rio, quando ele se alarga e ocupa a sua várzea, cujo nome técnico é o de "planície de inundação", denominação, aliás, bem sugestiva. Por sua vez, deslizamentos de terra são fenômenos normais do processo erosivo, que ocorrem sempre que existir relevo abrupto, formado por rochas alteradas, capeadas, por sua vez, por solo inconsolidado.

Pelo exposto, não há como impedir inundações e deslizamentos. Entretanto, eles podem deixar de ser desastres, se medidas preventivas forem tomadas a tempo. Ou seja, muitas perdas de vida poderão ser evitadas e os danos materiais poderão ser muito menores. O fatalismo associado a desastres naturais não é mais aceitável. Não se pode confiar na sorte, nas áreas de risco geológico conhecido, para depois ter de tomar medidas de remediação após as prenunciadas tragédias.

No Brasil, inundações periódicas ocorrem normalmente, não só ao longo dos rios, mas também nas zonas urbanas, como é o caso de São Paulo, sempre que a capacidade de escoamento é superada pela quantidade da água alimentadora. Apesar de trazerem enormes perdas materiais, as inundações não provocam grande número de vítimas, visto que normalmente há tempo suficiente para que as populações afetadas busquem abrigo em lugares seguros. Além disso, o competente sistema meteorológico brasileiro tem conhecimento das chuvas em tempo real e há controle das maiores drenagens, de modo que não haveria maiores dificuldades para implementar sistemas adequados de alerta para todo o território nacional.

Por outro lado, esse não é o caso dos deslizamentos de terra, maiores responsáveis pela perda de dezenas ou centenas de vidas em todos os verões, como no presente, em que cerca de mil vítimas foram contadas na região serrana do Estado do Rio de Janeiro.

Para prevenir deslizamentos ou mitigar os seus danos, não são suficientes o conhecimento meteorológico e a previsão de chuvas em qualquer escala de tempo. É necessário conhecer com propriedade as condicionantes geológicas locais das regiões com relevo importante. Tipos de rocha, de solos, inclinação das vertentes, características de alteração das rochas, etc. Entre outros, esses indicadores estão inseridos nas "cartas geotécnicas", elaboradas por meio de mapeamentos de detalhe por profissionais competentes em Geologia de Engenharia. Elas dão os elementos necessários ao planejamento de municípios quanto ao zoneamento urbano, tipos de ocupação, uso da terra, etc. e se constituem em ferramentas de caráter preventivo naquelas áreas sujeitas a desastres naturais. Infelizmente, em nosso país, poucos municípios as possuem.

Em todas as grandes cidades brasileiras - e os casos mais emblemáticos são os de São Paulo e do Rio de Janeiro -, áreas sujeitas a inundações e deslizamentos são ocupadas, muitas vezes clandestinamente, por moradores de baixa renda. É penoso constatar que as autoridades municipais responsáveis não conseguem coibir esses assentamentos, apesar das tragédias anunciadas. O que fazer? Diante do fait accompli, é imperioso remover, imediatamente, para áreas seguras moradores que vivem em áreas de grande risco. Por outro lado, medidas de reurbanização progressiva têm de ser planejadas para remover, a médio prazo, as demais comunidades vulneráveis, que ao mesmo tempo têm de receber instruções de prevenção. Em última análise, todos os municípios sujeitos a desastres naturais precisam implantar uma regulação técnica adequada ao crescimento populacional, controlando o processo de urbanização e organizando a Defesa Civil em razão do tipo de risco e das características do meio físico ocupado.

O novo ministro da Ciência e Tecnologia, corretamente, pretende criar condições para implantar no País a cultura de prevenção, preparação e alerta para desastres naturais. Pelas primeiras manifestações do Ministério, parece que os principais planos são os de melhorar a precisão das previsões meteorológicas e de implantar sistemas de alerta em todo o território nacional. Seguramente, isso poderá melhorar a prevenção e a mitigação dos danos causados pelas inundações. Entretanto, para os desastres mais agudos, mais contundentes relacionados com deslizamentos de terra, de pouco adiantará ter computadores mais potentes, radares meteorológicos mais precisos e uma quantidade colossal de sirenes. As condicionantes geológicas locais são os parâmetros mais importantes para poder antever, com alguma probabilidade, a ocorrência de deslizamentos de terra em lugares críticos. Cartas geotécnicas são indispensáveis e os recursos atuais de conhecimento e capacidade técnica da Geologia de Engenharia brasileira estão entre os mais respeitados do mundo.

Que o Ministério da Ciência e Tecnologia não deixe de utilizar essas áreas de competência.

DIRETOR DO INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

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