Há sempre a esperança de que, nesta época do ano, o espírito do Natal consiga infiltrar-se pelas veias esclerosadas do mundo. Ele é bem necessário, num momento em que toda uma fileira de países sofre o impacto de uma crise econômica brutal. Pode ser ainda mais necessário, um pouco adiante, quando tensões políticas e econômicas ressuscitarem o espectro do confronto direto entre nações.
Desde o final do último conflito global, o mundo tem sido palco de guerras localizadas — a do Vietnam, a da Bósnia, a do Iraque, a do Afeganistão. Surgem, agora, novos motivos de tensão. Há quem se lembre, contemplando este cenário, do período que antecedeu a I Guerra Mundial.
Naquele início de século XX, a civilização europeia conhecera algumas décadas de paz. Por conta disso, havia progressos econômicos e científicos, um clima geral de prosperidade, de vitalidade. Mas, nesse aumento da riqueza e do poder, alguns países sentiam-se prejudicados na divisão do bolo — por exemplo, a Alemanha imperial e o Japão. Sem que houvesse motivo concreto para isso, esse crescimento de energia levou à primeira guerra mundial, que foi também a preparação da segunda.
O mundo tem hoje pontos de estagnação e de crise. Mas, a partir do leste da Ásia, propaga-se uma onda inédita de crescimento e de enriquecimento. A China de agora é uma potência que se candidata a mais poder e a maiores espaços na geopolítica mundial. Isso lança ondas de choque por toda a vizinhança — inclusive porque o poderio militar chinês tem aumentado muito além do que seria necessário para fins defensivos.
As reações não se fazem esperar. O Japão, depois de ter sido humilhado num conflito sobre águas territoriais, já modifica os seus mecanismos de defesa — sem alterar totalmente a política pacifista com que emergiu da II Guerra Mundial. A India endurece suas posições em relação à China — com a qual já teve um conflito sério nos anos 60. A China, por sua vez, incrementa seus laços com o Paquistão, inimigo da India. Poucos dias atrás, Estados Unidos e Vietnam elaboraram um projeto comum de defesa (quem podia achar isso possível, há não muito tempo?). A Coreia do Sul reforça sua política de segurança, tendo ao lado a ameaça de um regime alucinado.
O pano de fundo deste cenário é que se projeta, a médio prazo, uma mudança de posição relativa entre as grandes potências, sendo a China candidata ao número um. Isso também aconteceu antes da I Guerra Mundial, envolvendo, ali, Inglaterra e Estados Unidos. Faz parte da psicologia nacional americana a identificação de adversários. Se, nesse contexto, a China passa a ser vista como adversária, isso prejudicaria profundamente o relacionamento entre os dois gigantes.
Nenhum dos dois tem tradição de diplomacia sofisticada — e a China vem de um período de profundo isolamento, seguido, agora, por acessos de insegurança que alimentam um nacionalismo mal resolvido. Neste cenário, quem poderia atuar como mediador no caso de um agravamento das tensões? Talvez, só mesmo o medo do pior — de um conflito incrivelmente devastador, com armas nucleares.
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