segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O vexame das contas de luz

É um assinte ao consumidor. Resultado da politização das agências reguladoras ao invés de um substancial quadro técnico.
Veja-se que há 83% de aprovação aceitando tal assinte.

O vexame das contas de luz 
Maria Inês Dolci
FOLHA DE SÃO PAULO

Ficaria difícil incluir essa inação do governo que termina no rol do "nunca antes na história deste país"

NESTE FINALZINHO de 2010 o consumidor levou um chute da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Não será ressarcido pelo que pagou a mais nas contas de luz desde pelo menos 2002. 
Há estimativas de que R$ 7 bilhões foram garfados dos brasileiros, que terão de recorrer à Justiça em busca de seus direitos.
Já há ações nesse sentido. 

A alegação é tão ridícula que chega a ser ofensiva: segundo a agência, não haveria amparo jurídico para pagamentos retroativos.

Além disso, há o temor de "instabilidade regulatória no setor elétrico". 

Ou seja, quando o consumidor perde, tudo certo. Se fosse respeitado, haveria problemas. Não entendo, definitivamente, as agências reguladoras. Elas não equilibram o jogo de interesses que opõe governos, empresas e usuários. Simplesmente apoiam as demandas dos lados mais fortes, e ponto final. 

Foi o que a Aneel fez. Reconheceu, depois da revelação feita pela Folha, que havia falha no método de cálculo dos reajustes de energia, retocou os contratos a partir de 2010, e estamos conversados. 

Alguém espera forte reação do Congresso e do Judiciário? Tomara que sim. Há vozes isoladas em ambos os Poderes, mas é só. Conclamo todos os usuários de energia elétrica a se organizar e a ingressar na Justiça, nem que seja como forma de protesto contra essa arbitrariedade. Sabemos que, nessa seara, os mais fracos ficam para o final da fila, mas foi o que sobrou.

Confio no Ministério Público Federal, que tentou obter um acordo para evitar ações a rodo. É triste ressaltar que o governo federal, tão preocupado em "regulamentar" os meios de comunicação e a cultura, também tenha fechado os olhos para os direitos lesados dos brasileiros. Imagino que tamanha tunga não faça parte do balanço de realizações do governo que se encerra. Ficaria difícil incluir essa inação no rol do "nunca antes na história deste país".

Há, contudo, uma lição que devemos tirar desse episódio: assim como a inflação parece jamais morrer no Brasil, o respeito aos direitos dos cidadãos na área do consumo também é frequentemente alvejado. 

Não podemos nos descuidar. Só não enterraram o Código de Defesa do Consumidor (CDC), até agora, porque não conseguiram. Mas continuarão tentando. 

Se não ficarmos vigilantes, correremos o risco de retroagir às cavernas nas relações de consumo. Repito que há, ainda bem, exceções, mas não podemos relaxar e nos divertir, como já nos sugeriram em meio ao caos dos aeroportos. O descalabro na decisão da agência jogou luz sobre o abuso tributário nacional. Há 11 contribuições embutidas na conta de energia elétrica. Só isso já mereceria um trabalho sério e determinado na CPI das Tarifas de Energia.

Talvez nossos parlamentares, renovados pelo reajuste de 61,8% em seus vencimentos, resolvam apurar as falhas da área de energia. E insistam no ressarcimento aos consumidores, ou no desconto nas futuras contas de energia. 

MARIA INÊS DOLCI, 54, advogada formada pela USP com especialização em business, é especialista em direito do consumidor e coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores.

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