O Estado de S. Paulo
A oito dias do início do seu governo, a presidente Dilma Rousseff precisa incluir com urgência em sua pauta uma discussão, com a sociedade brasileira e os setores produtivos, que o atual governo federal ficou devendo: qual a matriz energética adequada para o País e os passos que devem - ou não devem - ser dados para atingi-la.
Já se recordou neste espaço o estudo promovido pela Confederação Nacional da Indústria mostrando que o setor pode consumir 25% menos energia do que hoje, com programas de eficiência e conservação. Também já se discutiu o estudo da Unicamp/WWF segundo o qual o consumo total de energia no País pode ser metade do que é hoje - ganhando 30% com conservação e eficiência, 10% com a redução das perdas nas linhas de transmissão e mais 10% com repotenciação de geradores de usinas antigas (e a custo muito menor que o de novas geradoras). Mas só o que se lê e ouve é sobre planos de investimentos de dezenas de bilhões de reais em novas usinas, principalmente na Amazônia, em meio a graves discussões sobre os problemas ambientais e sociais dessas unidades - e ainda esquecendo que esses investimentos poderiam ser redirecionados para setores carentes, como o da saúde, sem necessidade de recriar impostos. E para energias "alternativas".
O noticiário das últimas semanas tem sido farto sobre os problemas nesta área. A começar pela repetição da disputa judicial - no leilão de uma hidrelétrica no Rio Teles Pires (entre Pará e Mato Grosso) - do processo de Belo Monte. Porque na verdade se trata de um complexo de várias usinas, com licença prévia do Ibama, mas submetido a 63 condicionantes (14 da Funai), por envolver questões delicadas com áreas indígenas e de preservação permanente. O mesmo caminho desponta no horizonte com a Usina São Luís do Tapajós, parte de um complexo de 10 mil MW, já condenada pelo Fórum Social Pan-Americano (O Eco, 30/11) e por grupos indígenas da região. E continua com a ação proposta pelos ministérios públicos federal e de Rondônia, por causa de irregularidades no assentamento de todas as famílias deslocadas pela Hidrelétrica de Jirau (Rio Madeira) com a inundação em Mutum Paraná - sem falar nas discussões sobre a conveniência de uma linha de transmissão da energia do Madeira para o Sudeste, com 2.369 quilômetros de extensão (quando quase toda a Amazônia só dispõe de energia de termoelétricas).
Já a discussão sobre o projeto de Belo Monte (classificado pela revista do Instituto de Engenharia de São Paulo como "vergonhoso") parece não ter fim. A última vistoria do Ministério Público Federal mostrou (Amigos da Terra, 17/12) que não estão sendo cumpridas condicionantes impostas pelo Ibama na análise do estudo de impacto ambiental. Em dez anos são dez ações judiciais em torno do projeto, que nem sequer se sabe exatamente quanto custará, pois as informações variam de R$ 7 bilhões a R$ 30 bilhões. Nem quanto gerará de energia, pois isso depende de transposição de águas na seca (e para isso se fala na escavação de um canal maior que o do Panamá, sem explicar onde se depositarão os sedimentos). Ou para quantas pessoas se terá de prover instalações (20 mil? 80 mil?). Ainda assim, a usina é incluída no livro de realizações do atual governo e a Eletronorte anuncia o início das obras para abril de 2011, sem que 40 condicionantes do Ibama tenham sido cumpridas (o órgão já deu dois pareceres contra o início da construção), sem que se tenha autorização para remover comunidades indígenas atingidas e sem que se saiba até mesmo para onde irá a energia (ao que parece, em parte para usinas de alumínio e alumina no Pará. Será com subsídios na tarifa?).
Também não se sabe como fica a discussão sobre a matriz energética na Amazônia, onde as hidrelétricas suprem apenas 20% do consumo total e o restante vem de usinas movidas a óleo diesel. Há 115 termoelétricas no Estado (13 em Manaus, que consomem perto de 1 bilhão de litros de diesel por ano). Segundo o Fórum de Mudanças Climáticas do Amazonas (O Eco, 29/11), já em 2008 a Amazônia emitia, por esse caminho, 3,97 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbono, quase 40% mais que seis anos antes. O consumo de combustíveis nas usinas custou R$ 2,4 bilhões em 2009 e chegará este ano a R$ 4,7 bilhões (Estado, 9/8).
Segundo o Tribunal de Contas da União, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) não tem controle sobre os métodos e técnicas para esse consumo (Folha de S.Paulo, 14/8) e por isso o custo subiu 7,8% comparado com igual época do ano passado (da mesma forma que a Aneel não controlou os aumentos de tarifas de energia nos últimos anos e agora diz não ter como exigir a devolução de cerca de R$ 8 bilhões aos consumidores). O gasoduto Coari-Manaus, que pode reduzir em R$ 1 bilhão os custos, ainda não opera, não tem rede de distribuição (Estado, 9/8). E não se sabe com que técnica se pretende construir um linhão Tucuruí-Macapá-Manaus que atravesse os muitos quilômetros de largura do Rio Amazonas para transportar energia hidrelétrica (Estado, 15/3). Como não se sabe o que fazer para evitar que aumentos no preço do álcool desviem parte do consumo para a gasolina, aumentando os preços. Ou até quando se estimularão termoelétricas poluidoras.
Talvez não seja demais pedir que também se discutam um pouco os caminhos pelos quais se pretende apressar a exploração do petróleo na camada pré-sal. Certamente não é despropositado pedir que a sociedade - que paga tudo - seja esclarecida e possa opinar. Que a comunidade científica, que tantos estudos tem feito, possa conhecer os argumentos que avalizam as posições contrárias que estão prevalecendo. Democracia é para isso. E seria muito bem-vinda se levada à prática - nesta e em todas as áreas - desde os primeiros dias. O País só ganhará se, em lugar de entregar-se ao "gênio" de alguns iluminados, puder cada vez mais participar das discussões e da escolha dos seus caminhos.
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