terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O nosso futuro comprometido

Gustavo Souto Maior
Correio Braziliense

Presidente do Instituto Brasília Ambiental (Ibram)

A opulência de alguns e a pobreza de muitos estão destruindo a biodiversidade planetária. Os impactos humanos multiplicaram a taxa natural de extinção de espécies por milhares de vezes, fragmentando ou mesmo eliminando ambientes naturais essenciais à vida na Terra. E a reação para enfrentar a crise que ameaça a biodiversidade no planeta se inicia com o estabelecimento e a gerência eficaz de áreas protegidas do ponto de vista ambiental, aqui no Brasil intituladas Unidades de Conservação (UCs). Essa reação prossegue com a criação de incentivos econômicos para que a sociedade conserve a biodiversidade, mesmo fora das áreas protegidas.

O montante de recursos investidos nas Unidades de Conservação em todo o mundo é estimado entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões anuais. Entretanto, os mesmos estudos sugerem que a quantia necessária para proteger adequadamente a maior parte da biodiversidade ameaçada seria algo em torno de US$ 5 bilhões e US$ 50 bilhões ao ano. Apesar do valor aparentemente bastante elevado, ele é muito menor se comparado ao custo global necessário para se recuperar e controlar a poluição industrial, fornecer água potável e saneamento às populações pobres ou, ainda, mitigar os efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas. A solução de cada um desses problemas pode custar centenas de bilhões de dólares. A má notícia é que o custo, relativamente baixo, de se conservar uma grande parcela da biodiversidade do mundo continua sendo maior do que a disposição dos governos em aplicar recursos na área.

Em países em desenvolvimento, como o Brasil, os recursos públicos destinados à gestão de UCs correspondem, em média, a aproximadamente 30% do efetivamente necessário para a conservação das áreas. Mesmo em regiões excepcionalmente ricas em biodiversidade, a exemplo da África do Sul e da Indochina, os orçamentos chegam a ser menores do que 3% da média global por hectare. E, devido a crises financeiras e políticas, em muitos países em desenvolvimento os orçamentos públicos para gestão de áreas protegidas diminuíram em mais de 50% na década de 1990.


A assistência de doadores internacionais para a conservação da biodiversidade nesses mesmos países também tem apresentado significativa redução. Desde a Rio-92, época em que as doações atingiram o ápice, a tendência de queda tem sido evidente. Paralelamente, os investimentos mundiais para a conservação da biodiversidade têm declinado, enquanto outras questões globais recebem mais atenção na agenda política e na elaboração de orçamentos, tais como o combate ao terrorismo internacional, a busca da vacina contra a Aids e a luta para reduzir a pobreza global, para citar apenas algumas das mais evidentes.

O resultado de toda essa situação é a figura dos parques de papel: UCs criadas legalmente, mas que carecem de recursos para realização de estudos e pesquisas, aquisição de equipamentos, regularização fundiária, implantação de infraestrutura, entre outras atividades essenciais para sua gestão eficaz. Há casos, no Brasil, de UCs cujos recursos anuais para o seu desenvolvimento não alcançam os R$ 10 mil. Um aspecto perverso dessa situação é que os parques de papel são computados nas estatísticas oficiais, embora não haja neles uma efetiva conservação da biodiversidade, contribuindo assim para reduzir a pressão pela criação de novas UCs e pela manutenção das existentes.

No DF, essa situação se torna ainda mais dramática, tendo em vista que 93% do território é constituído por UCs federais e distritais. O orçamento do órgão que tem por missão, entre inúmeras outras, proteger 67 parques urbanos e 23 UCs distritais, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), não chega a 0,2% do orçamento público total do DF. Não é à toa que a maior parte dos parques urbanos no Distrito Federal está literalmente à deriva, sem condições de uso pela sociedade. E que nossas UCs distritais aos poucos têm sido asfixiadas, degradadas, deixando de cumprir sua maior função: proteger a biodiversidade. A maior parte das UCs no DF ainda não foram efetivamente implementadas e não cumprem os objetivos que motivaram sua criação.

Daí a importância da aprovação, pela Câmara Legislativa, do Sistema Distrital de Unidades de Conservação (SDUC), que cria instrumentos essenciais para uma boa gestão das UCs e parques no DF. O SDUC foi objeto de extensa negociação envolvendo a própria Câmara Legislativa, além do GDF, Ibama, Instituto Chico Mendes, Ministério do Meio Ambiente e ONGs. Mas o SDUC precisa ser acoplado a um plano que garanta sua sustentabilidade financeira, ou seja, sua viabilidade de uma forma concreta. Do contrário, a biodiversidade, fundamental para nossa sobrevivência, estará irremediavelmente comprometida.
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