A Argentina é hoje um país em contínuo sobressalto. Característica da atual situação é a percepção de que o sistema legal/institucional vai sendo corroído todos os dias, em grande parte com a conivência ou a participação do governo.
Neste momento, o que está causando grande aflição é a invasão de imóveis e terrenos em Buenos Aires. Em um desses terrenos, o Clube Albariño, houve uma verdadeira batalha campal, porque vizinhos dos espaços ocupados, desanimando de uma ação pública, resolveram expulsar os invasores. Da ação resultaram um morto e dezenas de feridos.
Diante desse quadro, o governador de Buenos Aires, Mauricio Macri, fez um apelo direto à presidente Kirchner: "Presidente, restabeleça a ordem e a segurança. Determine que se desocupe o Clube Albariño e todos os prédios invadidos no país."
Macri é um dos líderes do peronismo - e, portanto, insuspeito de "liberalismo". Se ele fez esse apelo, é porque a desordem institucional vai-se tornando assustadora.
A resposta da presidente, vocalizada pela ministra de Segurança, Nilda Garré, foi a de que a polícia pode dirigir-se ao local dos conflitos, mas sem levar armas de fogo.
Novos protestos de Macri: "Por que desarmamos a polícia? E, muito pior, por que anunciamos que ela está sendo desarmada? Que mensagem queremos passar? A de que, na Argentina, pode acontecer qualquer coisa sem que haja consequências?"
Este é o quadro geral, e os maus indicadores vêm de todos os lados. A Argentina beneficiou-se, nos últimos anos, da notável valorização de produtos como a soja, o que serviu para dar um verniz de saúde às finanças públicas. Mas a inflação parece agravar-se paulatinamente - a ponto de o governo ter feito um aceno na direção do FMI, no sentido de montar novos medidores da economia (estando os atuais inteiramente desacreditados). E a inflação crescente também corrói o tecido institucional.
O outro aspecto dos desmandos é a campanha permanente, quase selvagem, contra os meios de comunicação. Legislações têm sido passadas visando a quebrar a espinha dorsal de grupos importantes como "Clarín" e "La Nacion". Entram nesse jogo os sindicatos, que nos últimos dias organizaram bloqueios destinados a impedir a circulação dos principais jornais.
Havia uma impressão de que a morte de Néstor Kirchner poderia atenuar essas pressões, e levar o governo um pouco mais na direção da racionalidade. Se, em alguns temas políticos, o governo parece, de fato, estar fazendo movimentos em direção ao centro, no trato com o que ele considera inimigos não há novidade: Cristina Kirchner e seus principais auxiliares mantêm a linha do confronto a qualquer preço, no sentido de quebrar os braços dos opositores. Assim se leva às últimas consequências uma linha caudilhista que teve em Perón o seu modelo maior, e que, em algumas poucas décadas, transformou um país riquíssimo num país-problema, sujeito, como se vê, a todos os sobressaltos.
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