sábado, 25 de dezembro de 2010

A verdade do povo

Luiz Fux
O Globo

O processo é um instrumento de realização da justiça posto à disposição do povo que clama por esse valor, na justa impossibilidade de fazê-la pelas próprias mãos. A verdade de quem pede justiça e de quem se defende, sintetizada no processo, vem definida na sentença: verdade do juiz. A injustiça causada por um cidadão contra o outro é má, mas a injustiça do sistema em si, já o dizia Hans Kelsen, é intolerável. 

O Estado, no desígnio de fazer com que os cidadãos lesados em seus direitos não sintam os efeitos da transgressão, coloca à disposição do homem o processo, para acalentá-lo diante da dor moral da injustiça e, ao mesmo tempo, evitar a vingança privada. A consequência natural dessa amálgama é a de que, quanto mais rápida a solução, mais célere será a reconstrução do tecido social abalado pelo litígio. 

No âmbito da Justiça, há momentos em que o povo pede; há aqueles em que suplica; e o derradeiro, em que o povo grita! A sociedade, através de um grito cívico, exigiu uma justiça mais rápida. A prova cabal restou demonstrada pelas dezenas de milhares de manifestações recebidas pela comissão encarregada da elaboração de um novo código e pelo Senado, por isso que a sociedade laica foi ouvida através de mais de 15.000 e-mails. 

A comunidade científica compareceu em peso às audiências públicas realizadas para aprimoramento social do Código, oferecendo cerca de mil sugestões. 

Juristas de renome foram consultados, o primeiro deles o professor Barbosa Moreira, que por motivos particulares não pode participar dos trabalhos diretamente, mas fez-se presente na pessoa dos professores catedráticos que compunham a comissão, seus eternos discípulos: os drs. Humberto Theodoro Junior, Adroaldo Furtado Fabrício, Tereza Arruda Alvim Wambier, Paulo Cesar Pinheiro Carneiro, José dos Santos Bedaque, José Miguel Garcia Medina, entre outros. 

Esse número indicador da participação social de tantos segmentos importantes, da academia científica aos Tribunais Superiores do país, perpassando pela notável advocacia, como o escritório Sérgio Bermudes, que através do talento de seu sócio Marcelo Fontes participou com brilhantismo da audiência pública no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, permitiu ao Senado Federal concluir ter sido o projeto do Código de Processo Civil o mais popular de todos os tempos, construído segundo os mais expressivos princípios democráticos, representando o timbre ideológico do cidadão mais simples ao mais prestigiado jurista. 

A fusão de tantas manifestações gerou um código brasileiríssimo, coadjuvado pela adoção dos mais modernos instrumentos recolhidos das recentes inovações dos direitos alemão, inglês, italiano, português e espanhol. A novel Justiça que se apregoa, inaugura-se pela harmonia, ao indicar deva o processo iniciar-se por uma conciliação entre os cidadãos em conflito, otimizando o relacionamento social. Por seu turno, à míngua de um acordo inicial, o modo de pleitear a justiça final tornou-se mais simples, sem armadilhas, de modo que os litigantes, ricos ou pobres, habituais ou débeis, lutem com as mesmas armas. 

Por fim, a decisão judicial passa a ser revestida de autoridade e de previsibilidade, porquanto a jurisprudência oriunda dos casos julgados deve velar para que a igualdade perante a lei reflita-se na igualdade de todos perante a Justiça. 

Enfim, o novo Código pertence à nação brasileira e perfaz a "justiça que o povo quer". E o que é que o povo quer? Um processo justo, uma resposta judicial sem tardança e a verdade de que lhe é assegurado o alento judicial no prazo razoável prometido pela Constituição. 

A Comissão que erigiu o novo Código e o Poder Legislativo, através da comunicação lavrada com a sociedade, entenderam, assim como Antônio Aleixo, in "Este livro que vos deixo...", que o povo "disse as suas verdades". O Novo Código de Processo Civil, pela força da transparência de seu texto, logra responder às justas expectativas sociais encartadas na beleza das palavras do poeta: 



Porque o povo diz verdades,

Tremem de medo os tiranos,

Pressentindo a derrocada

Da grande prisão sem grades

Onde há já milhares de anos

A razão vive enjaulada.



Vem perto o fim do capricho

Dessa nobreza postiça,

Irmã gêmea da preguiça,

Mais asquerosa que o lixo.



Já o escravo se convence

A lutar por seu prol

Já sabe que lhe pertence

No mundo um lugar ao sol.


LUIZ FUX é ministro do STJ e presidente da Comissão de Juristas para a elaboração do Novo Código de Processo Civil.

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