FOLHA DE SÃO PAULO
A política externa não "pode" mudar. "Deve" mudar -no sentido de que "precisa" mudar.
De uma parte, para corrigir desvios e distorções e deixar para trás posturas e ações que constituíram, nesses últimos anos, crassos erros, lesivos aos interesses do país.
Em outro plano, mudar para melhor responder a novos tempos e circunstâncias, em quadro externo marcado por acelerada mutação nas posições relativas de poder e por sérios desequilíbrios, volatilidade e incerteza na economia.
No primeiro caso, cabe superar atitudes e gestos que, paradoxalmente, estiveram em aberta contraposição aos desígnios da própria política externa, minando ou mesmo inviabilizando o logro de objetivos importantes para o país.
Como resgatar o Mercosul e avançar na integração da América do Sul quando se força, por idiossincrasias ideológicas, a entrada no grupo da Venezuela de Chávez, autocrata em aberta oposição ao que deveria o Mercosul representar como fator de sustentação da democracia representativa e de estímulo à economia de mercado, ao livre-comércio e ao regionalismo aberto?
Como fazer avançar nossos interesses na vizinhança se pecamos por excesso de protagonismo e canhestra busca de liderança, e preferências ideológicas nos levam a esquecer os votos de altivez, substituindo-os por postura de tibieza diante de atos danosos a nossos interesses, sob o manto de exagerada "diplomacia da generosidade"?
Como ganhar prestígio e respeitabilidade, inclusive para a obtenção de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, quando nos solidarizamos fraternalmente, às cegas, com o regime iraniano?
Ou quando deixamos de expressar para fora os valores ocidentais de nossa democracia e de seu compromisso com a universalidade dos direitos humanos? No plano internacional mais amplo, precisamos ter em mente que o governo Dilma Rousseff se instala quando termina a primeira década do novo século e no justo dia em que se abre a segunda década do novo milênio.
Neste momento, urge termos plena consciência do impacto que terão, sobre os próximos anos e décadas, acontecimentos ocorridos no passado recente e novas tendências que, às vezes mal percebidas, vão mais e mais ganhando força.
O novo século começou com uns tantos cataclismas: os atentados terroristas contra os EUA em 11 de setembro de 2001; a desastrosa invasão do Iraque e a malograda intervenção no Afeganistão; e, abalo ainda maior, a grande recessão iniciada em 2008, cujos efeitos ainda estarão conosco por longos anos.
Mas houve também o período de ouro de inédito crescimento econômico global entre 2003 e 2008, e se desdobra a velas soltas o processo de ascensão da China, hoje parceiro expressivo -e mesmo determinante- para muitos de nossos interesses. A globalização da economia sofre abalos, perde ímpeto.
Contudo, o surgimento de graves problemas globais -em finanças, comércio, meio ambiente, recursos naturais e segurança- abre novas perspectivas para um país como o Brasil, que há quase duas décadas avança em seu desenvolvimento, ganhando solidez e credibilidade no plano econômico.
O próximo governo conta com condições favoráveis para realizar ajustes e correções de rumo. São nesse sentido animadores alguns dos sinais até agora dados pela presidente eleita.
Que assim seja, para que o país possa proceder a um verdadeiro relançamento de sua atuação no plano externo, melhor aproveitando as oportunidades que, malgrado todas as turbulências presentes mundo afora, nos oferece esse panorama internacional em vertiginoso e radical processo de reconfiguração.
ROBERTO ABDENUR, diplomata de carreira aposentado, foi embaixador do Brasil na China (1989-1993), na Alemanha (1996-2001) e nos EUA (2004-2006), entre outros países, além de secretário-geral do Itamaraty (1993-1994). É membro do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais).
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