O Globo
O ano de 2010 ficará na história da Zona do Euro como um momento em que se pensou no impensável: desfazer a União Monetária. Quando economistas e governantes olharam para essa possibilidade se viu que ela é mais difícil de fazer do que se imaginava. Uma consulta mostrou que hoje há apoio na Alemanha para a volta ao marco. Se isso acontecer, será um enorme retrocesso no projeto de união. Esse debate não terminou na Europa, continuará no ano que vem.
Em dezembro de 2009, três agências rebaixaram a classificação de risco da Grécia. Parecia ser um problema apenas grego. Como o país continuava tendo grau de investimento e representa só 3% do PIB da Zona do Euro, o fato não preocupava. Um ano depois, gregos e irlandeses já foram socorridos; um fundo de estabilidade foi criado; Portugal e Espanha estão em crise de confiança. A Europa afunda o PIB mundial.
No dia 17, a Irlanda caiu cinco pontos na classificação da Moody’s. Mesmo assim, ficou dois degraus à frente do Brasil. Mas, evidentemente, a situação brasileira é melhor.
A criação de um fundo permanente de socorro é uma mudança profunda na Zona do Euro. Significa o reconhecimento pelo bloco de que seus países podem ter problemas de solvência. Mais do que isso: eles poderão descumprir as metas do tratado de Maastricht — de déficit de 3% e dívida de 60% do PIB — e não só permanecer no bloco como também ser socorridos. Uma mudança que é resultado dos estragos provocados pela crise de 2008.
— Hoje, há um risco financeiro importante na Europa como um todo. Os bancos dos países grandes podem ter problemas caso os países periféricos não consigam pagar suas dívidas. E não há garantia de que haverá dinheiro para mais um socorro ao sistema financeiro, caso ele aconteça, como foi na crise de 2008 — afirmou Raphael Martello, da Tendências consultoria.
Até a crise, os spreads na Zona do Euro — diferença entre os juros cobrados para a rolagem da dívida dos países — eram iguais, no mesmo nível da Alemanha. Todos eram vistos da mesma forma; governos austeros e gastadores conseguiam crédito com a mesma taxa. Em 2010, o mercado começou a mudar e tratar de forma diferente o subgrupo problemático. Essa turma da encrenca ficou conhecida por uma sigla: os chamados PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha).
— A percepção era que a economia ia se recuperar forte em 2010. Esse cenário foi por água abaixo a partir do segundo trimestre, quando o problema da Grécia veio à tona. Todo mundo caiu na real: o endividamento era geral. Depois que a Grécia foi socorrida, inclusive com recursos do FMI, o problema Europa saiu do radar por seis meses. No final do ano, foi a vez da Irlanda, que também precisou receber dinheiro do FMI e da União Europeia — disse Monica de Bolle, da Galanto consultoria.
Dos quatro países do PIGS, dois já precisaram de socorro. A dúvida é se os outros, Portugal e Espanha, conseguirão escapar em 2011.
Parte da desconfiança sobre os portugueses é reflexo de uma artimanha fiscal, que também foi usada no Brasil. O governo contabilizou receitas extraordinárias para cumprir a promessa de redução do déficit deste ano, de 9,3% para 7,3%. Os investidores refizeram as contas e perceberam que ele caiu muito menos, para 9%. Com isso, o esforço para cumprir o prometido em 2011, de chegar a 4,3%, será muito grande e quase impossível de ser cumprido. Os problemas portugueses se completam com uma dívida pública de 80% do PIB, baixa perspectiva de crescimento e a dificuldade que o governo teve para a aprovação do Orçamento do ano que vem. Não há garantia política de que os cortes de gastos serão feitos.
— O próximo da fila é Portugal, que tem 10% do PIB em dívida para rolar no início de 2011 — afirmou Monica.
Em efeito dominó, o risco português chega à Espanha pela exposição dos bancos espanhóis, que carregam US$ 100 bilhões de títulos da dívida de Portugal. O país ainda tenta se recuperar do estouro da crise imobiliária, que elevou a taxa de desemprego para acima de 20%. Nos próximos dois anos, a Espanha terá que rolar 251 bilhões de euros em dívida. Pelo tamanho de sua economia, que é o dobro da soma de Grécia, Irlanda e Portugal, um problema na Espanha teria efeitos mais sérios para a economia mundial:
— Se Portugal e Espanha precisarem de socorro, os recursos que estão disponíveis ficarão escassos. Se a crise bater na Espanha, teremos um problema grego potencializado — comentou Martello.
Quem ainda assiste de longe — mas com cautela — ao aumento do risco é a Itália, que tem uma das maiores dívidas públicas dos países com grau de investimento, medidos pela Standard & Poors: 116%. A vantagem da Itália é que sua economia é maior, mais diversificada e sua dívida de vencimento mais longo. O setor financeiro também resistiu bem à crise de 2008, e o governo não deve ter que se endividar para socorrer os bancos do país. Por outro lado, a governabilidade é fraca. O governo Sílvio Berlusconi se sustenta em parte pelo temor de que uma troca possa piorar a crise.
O euro deve fechar o ano com desvalorização de 7,4% em relação ao dólar, e isso depois de toda a enxurrada de dólares promovida pelo governo americano. O ano de 2010 não foi, definitivamente, um bom tempo para a Europa. O gelo que castigou o continente não é apenas dos termômetros baixíssimos. A economia continuará fria em 2011.
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