Se pudessem habitar um mesmo espaço geográfico a partir de janeiro, mais de 7 mil pessoas em condições de serem nomeadas livremente pela presidente eleita Dilma Rousseff formariam uma população superior à de quase 2 mil municípios brasileiros. O detalhe cruel é que a renda média desse contingente privilegiado e numeroso supera de longe a da massa de servidores concursados das três instâncias da federação, nos diferentes poderes. E são estes que, por todo o país, executam cotidianamente tarefas insubstituíveis, por se constituírem em muitos casos de competência exclusiva do poder público.
O contraste entre essas realidades e entre ambas e o conjunto da sociedade suscita motivos para algumas reflexões:
1) Os riscos do inchaço da máquina administrativa pouco têm a ver com os funcionários de carreira, apesar de o número estar aumentando no atual governo, numa proporção que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encara como motivo de orgulho. O aspecto preocupante é o constituído por um grupo que, a cada troca de comando, por ligações predominantemente de ordem sindical ou política, entra e sai do setor público – sem qualquer preocupação, na maioria das vezes, de preservá-lo ou de aprimorá-lo para servir melhor ao contribuinte.
2) O fenômeno do empreguismo e do partilhamento do poder por critérios personalistas têm explicações objetivas, algumas das quais até fazem sentido. Uma delas é que o primeiro escalão, o preferido para acomodar uma elite de apadrinhados bem pagos e sem concurso, precisa contar com uma burocracia minimamente eficiente para facilitar o alcance de objetivos – nobres ou não. Na maioria dos casos, a principal preocupação é contemplar interesses político-partidários e não realmente garantir mais eficiência aos serviços prestados.
3) As contas oficiais e os bolsos dos contribuintes sofrem consequências nefastas com a tendência de ampliação no número de ministérios na tentativa de garantir ao Executivo maioria política no Congresso. De 11 no período de Juscelino Kubitschek, a quantidade de ministros saltou para 24 no atual governo, fora outros 13 ligados diretamente à Presidência da República. Não por acaso, o número de ocupantes de cargos de escalão superior aumentou significativamente, enquanto pressões, principalmente de ordem sindical, fizeram com que triplicasse a quantidade de carreiras no serviço público, antes restritas às corporações de elite.
4) O aspecto mais grave do fisiologismo não chega a ser propriamente o custo da folha salarial, que já é elevado, a ponto de a redução registrada há duas décadas se encontrar hoje em processo de reversão. Em alguns ministérios, é praxe o acolhimento de obras incluídas por deputados federais ou senadores no orçamento. Muitas vezes, a liberação das verbas fica condicionada ao apoio político no Congresso a projetos do Executivo. Quanto maior a dificuldade para garantir apoio parlamentar, maior tende a ser o número de ministérios – e a disputa para ocupá-los. Daí para a transformação do setor público num verdadeiro balcão de negócios e, pior, numa deplorável máquina de corrupção, basta muitas vezes apenas mais um passo.
5) O atual governo federal não inaugurou o empreguismo, que grassa hoje em todos os poderes de todas as instâncias da federação e não é exclusividade de um ou de outro partido. Ainda assim, a conivência com o corporativismo, que vem transbordando com maior intensidade dos meios sindicais para o político, reforçou essa tendência nos últimos anos.
Como os servidores não podem se constituir num mundo à parte, a mudança de governo é um momento oportuno para o enfrentamento dessa chaga. O país tem o dever de aproximar o universo de quem está dentro do governo e o de quem está fora, adequando-os sob pontos de vista como os dos ganhos e os da ética.
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