O Estado de São Paulo
Que vantagem pode ter uma empresa que vende determinada participação numa refinaria de petróleo por menos de US$ 500 milhões e, alguns anos mais tarde, a recompra por US$ 850 milhões? Nesse período, a capacidade de produção da refinaria aumentou 46%. Mas o preço da recompra é pelo menos 70% maior do que o da venda. Este é um dos aspectos intrigantes da recompra, pela Petrobrás, dos 30% que a espanhola Repsol detinha na Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), instalada no município gaúcho de Canoas.
Do ponto de vista societário, a saída do grupo espanhol parece conveniente para as duas partes. Há cerca de dois anos, a Petrobrás e a Repsol viviam uma situação de desconforto na Refap. Apesar das fortes oscilações da cotação do petróleo, os preços dos combustíveis no mercado interno permaneceram praticamente inalterados, por decisão do sócio principal da refinaria - a Petrobrás -, o que incomodava a Repsol. A empresa espanhola, em contrapartida, vinha criando obstáculos aos investimento na expansão da Refap, especialmente no programa de grande interesse da Petrobrás, de retirada do enxofre do óleo diesel ali produzido, para atender às exigências da legislação ambiental.
Do ponto de vista financeiro, porém, os números conhecidos mostram nítida desvantagem para o sócio brasileiro na operação. A participação privada na Refinaria Alberto Pasqualini a partir da janeiro de 2001, que levou à constituição de uma nova empresa, a Alberto Pasqualini Refap S. A., resultou de uma troca de ativos entre os dois sócios. A empresa brasileira cedeu participação em contratos de concessão de áreas de exploração de petróleo e 30% na Refap e, em troca, recebeu uma rede de postos de combustíveis na Argentina.
Em relatório publicado em 2002, a Petrobrás revelou que, nessa troca, a Repsol pagou US$ 500 milhões pela participação na Refap e por 10% no Campo de Albacora Leste, na Bacia de Campos. Agora, em comunicado enviado à Bolsa de Valores de São Paulo, a Petrobrás informou que, pela recompra, pagará US$ 350 milhões à Repsol e absorverá US$ 500 milhões de dívida da antiga sócia, totalizando os US$ 850 milhões da operação. Mas a operação não envolve a devolução da participação da Repsol no Campo de Albacora. Ou seja, na realidade, a Petrobrás está pagando um ágio superior a 70% na recompra.
Mesmo se levado em conta o aumento da capacidade da Refap, que passou de 130 mil para 190 mil barris diários, o negócio continua desvantajoso para o comprador. Considerados os valores pagos pela Petrobrás, a Refap vale US$ 2,84 bilhões. Assim, cada barril refinado por dia corresponde a um investimento de US$ 14.927, bem mais do que a média dos negócios realizados no mundo nos últimos dois anos, de US$ 4.700 por barril.
Estranhamente, a conclusão da recompra foi informada pela Petrobrás primeiro para um grupo de políticos gaúchos que haviam formado uma frente parlamentar pela retomada do controle pleno da Refap pela estatal. Esse grupo divulgou a informação imediatamente. Só no dia seguinte a empresa enviou comunicado formal à Bovespa, como exigem as normas que regem as relações entre uma companhia com ações negociadas em bolsa, como é o caso da Petrobrás, e os investidores em geral.
Nenhum desses números e fatos, que tornam a recompra de 30% da Refap um negócio intrigante, preocupa um grupo de brasileiros que, nos últimos meses, com o apoio de políticos gaúchos - liderados pelo deputado estadual petista Raul Pont -, vinha exigindo a saída do grupo privado da refinaria. São os dirigentes da Federação Única dos Petroleiros (FUP), ligada à CUT.
Em nota, a FUP considerou a retomada do controle total da Refap pela Petrobrás uma "vitória dos petroleiros para o Brasil". Para eles certamente é, pois sabem do poder de pressão por melhores salários e por mais vantagens que podem exercer sobre a direção da estatal, o que não era possível fazer com a presença de um sócio privado. Mas o Brasil nada ganha com isso.
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