O GLOBO
O leitor deve estar se perguntando o que a eleição do palhaço Tiririca para a Câmara dos Deputados e a realização do Exame Nacional de Ensino Médio têm em comum. Em princípio, nada. Existem, entretanto, conexões entre esses fatos aparentemente tão díspares.
Primeiro, a eleição de Tiririca. Não tem sentido algum expor o deputado federal mais votado do país a exames para a comprovação do seu grau de alfabetização. É grosseiro, preconceituoso e transforma-se numa manobra sub-reptícia para a sociedade não encarar a questão da educação com coragem. É inacreditável que o caso tenha sido encaminhado ao TRE-SP.
O Congresso Nacional de qualquer país representa o seu grau de desenvolvimento naquele momento histórico. Isso é verdade no Brasil e em qualquer país democrático. Nenhum dos eleitos chega lá sem uma razão maior, mesmo que a parcela mais sofisticada do país torça o nariz e não queira entender o que o fenômeno quer indicar.
Depois, o Enem. O substituto do vestibular já havia anunciado suas fragilidades em 2009 e neste ano elas se agravaram. Não há como agredir os fatos. O governo deve reconhecer os erros o quanto antes e promover as correções. Não fazê-lo prolongará o componente chapliniano da situação com vários tipos de manifestações, protestos e liminares se sucedendo. Não se trata de desprezar o avanço que o Enem trouxe, mas sim de aperfeiçoá-lo. Implantar maior regionalização e a aplicação de várias edições de prova como inicialmente era previsto.
Tanto o Tiririca individualmente, como o Enem coletivamente nos apontam para a importância da revolução que necessita ser feita na Educação. Nos últimos anos tivemos inúmeros avanços na área econômica e social. Fortalecemos o país economicamente, criamos um mercado interno forte, retiramos mais de 25 milhões de brasileiros da linha da pobreza, distribuímos renda e aumentamos o emprego.
Nosso déficit educacional, entretanto, continua à espera de uma solução. O Japão, no espaço de uma geração, deixou de ser um país agrário de estrutura feudal para se tornar uma nação moderna. Isso construído num território pequeno, com pouca área cultivável, apenas e a partir da educação. Como? Tornando o ensino básico gratuito e obrigatório em todo o país.
Por que não podemos fazer o mesmo? Continuamos com a nostalgia da República dos Bacharéis. Temos excesso de médicos e ausência de paramédicos, mas não permitimos os cursos de três anos de formação que atenderiam a imensa maioria dos problemas de saúde das pequenas comunidades. Sua criação foi fundamental para a melhoria dos índices de saúde da China e de Cuba.
Não criamos estímulos para as carreiras profissionalizantes. Em diversas cadeias produtivas faltam técnicos. Não temos orgulho do trabalho manual. Parte privilegiada da sociedade nunca aprendeu a usar suas próprias mãos, sendo que essa é uma das consequências da longa duração da escravidão.
Em vez de exigirem testes do deputado Tiririca, procurem entender o significado de sua maciça votação. Quanto ao teste do Enem, corrijam os erros. Com ironia, Winston Churchill afirmava que "a democracia é a pior forma de governo, exceto quando comparada com as outras". Apenas pela educação podemos mantê-la e ampliá-la na plenitude das enormes potencialidades do nosso país. Essa é a lição sutil que aproxima, costura esses dois fatos aparentemente diversos.
LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA é advogado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário