sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Um ano intenso

Míriam Leitão

O GLOBO

O ano de 2010 teve mais crescimento, mais inflação, mais emprego, mais incerteza externa, mais alta nos preços de commodities do que se esperava. Foi um ano que surpreendeu pela intensidade, mas não pela direção dos eventos. Já se esperava uma alta do PIB, mas foi ainda maior. Sabia-se que os países emergentes puxariam o crescimento, mas não que dependeria só deles.

Foi um dos melhores anos da história recente da América Latina, e terminou com uma alta do PIB regional de 6%. Apesar de o Brasil ter crescido bem mais do que os 5,5% que o mercado previa, não foi o país que mais cresceu. Ficou atrás do Paraguai, Uruguai, Peru e Argentina. Mas na Argentina é bom lembrar que a qualidade do crescimento não é a mesma, porque o país está flertando com inimigos perigosos: a inflação em dois dígitos e a manipulação do índice de preços. Só o Haiti e a Venezuela tiveram desempenho negativo do PIB. O Haiti pelas tragédias que se seguiram ao terremoto; a Venezuela como resultado do desatino do seu governante.

A China crescendo ajudou a puxar o mundo e elevou os preços de produtos que o Brasil exporta, o que nos ajudou a terminar o ano com exportações recordes. Por outro lado, pôs mais um pouco de lenha na fogueira da inflação. O IPCA terminou o ano bem acima do centro da meta e os IGPs na perigosa marca dos 11%.

A Europa foi o grande centro de incerteza, mas não o único. O persistente baixo crescimento dos Estados Unidos levou a uma política de expansão fiscal e monetária que espalhou seus efeitos pelo mundo inteiro. Apesar de estarem se tornando relativamente menores, em relação ao PIB global, os Estados Unidos têm uma economia grande demais para ser "gostoso" vê-lo entrar em crise, como disse em mais uma declaração despropositada o incorrigível presidente Lula. A crise americana foi ruim para o mundo todo. Um dos seus efeitos foi a onda de queda da moeda americana em vários países, principalmente nos emergentes.

A política de controle do câmbio na China ficou ainda mais destoante. O debate concentrou as atenções nas reuniões das maiores economias do mundo e foi batizado pelo ministro Guido Mantega como guerra cambial. É assunto inconcluso e destinado a produzir efeitos em 2011 e além. O mundo das moedas tem ainda vários desequilíbrios. O yuan chinês não flutua como outras moedas, dando ao produto exportado pela China uma competitividade extra e desleal; o dólar, moeda de referência do comércio internacional, cai em relação à maioria das moedas; o euro tem dúvidas sobre seu próprio futuro.

Em outubro, a Fazenda dobrou o IOF sobre a entrada de capital para renda fixa para tentar conter a enxurrada de dólar procurando o ganho alto dos juros brasileiros. Naquela época, a moeda americana estava em R$1,69. No último dia útil do ano, fechou em R$1,66. Ficou tudo na mesma. O FMI não soube o que fazer, e o G-20 não foi além das palavras de uma declaração de intenções de que os países evitariam desvalorizações competitivas.

No Brasil, não foi apenas um ano de crescimento econômico, foi de intensa atividade de compra e venda de empresas. O varejo viveu o melhor ano da década, com crescimento forte de vendas ainda não completamente contabilizadas e, além disso, continuou a temporada de concentração do grande varejo iniciada em 2009 com a compra das Casas Bahia pelo Grupo Pão de Açúcar, que já havia comprado o Ponto Frio. Para citar apenas alguns dos negócios na temporada de fusões e aquisições: a Ricardo Eletro e a Insinuante se juntaram e a Magazine Luiza comprou a rede nordestina Maia.

O debate eleitoral foi tão exaustivo quanto inútil. Tanto oposição quanto governo concentraram-se em assuntos não relevantes, em falsos problemas, repetindo fórmulas supostamente inteligentes criadas pelos marqueteiros. Nesse aspecto, a única e breve novidade foi a candidatura de Marina Silva, que virou o estuário dos descontentes pela disputa ao mesmo tempo radicalizada e desprovida de significado. Já se sabia que o presidente Lula considerava ponto de honra eleger Dilma Rousseff, mas não que ele transformaria o governo num comitê eleitoral. A intensidade com que ele fez campanha é um risco para a qualidade da democracia brasileira.

Com o mesmo propósito eleitoral, o governo fez uma perigosa política fiscal pró-cíclica, aumentando os gastos em ano de crescimento. Também estava previsto uma política fiscal mais frouxa pelo ciclo eleitoral, mas não que o governo iria manipular a contabilidade pública para tentar atingir a meta fiscal num ano em que a arrecadação aumentou de forma expressiva.

Já se sabia que a oposição estava dividida, mas não que faria uma campanha tão sem rumo e tão sem propósito. O país tinha noção que a Justiça estava confusa sobre a validade da Lei do Ficha Limpa, mas não que ficaria tão desnorteada deixando passar o tempo e decidindo de forma tão contraditória.

No Rio, a esperança com as operações bem sucedidas das UPPs nasceu timidamente nas primeiras experiências realizadas em anos anteriores, mas ninguém esperava que o Complexo do Alemão fosse tomado tão cedo. O próprio governador Sérgio Cabral contou que a operação militar foi antecipada em um ano e meio pela série de atentados ocorridos na cidade do Rio. De novo, a marca do ano: a direção dos eventos era prevista, mas a intensidade foi inesperada.

Na maioria dos fatos foi assim, o ano confirmou o que se esperava dele, mas surpreendeu por ser intenso em todos os sentidos. Tenham todos uma boa passagem de ano, de alegria intensa.
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