E se chega ao fim do ano com a incômoda sensação - relendo o que o autor destas linhas escreveu neste espaço no primeiro dia de 2010 - de que o tempo não passou ou não foi aproveitado para enfrentar as graves questões ali enumeradas. De novo, várias capitais e outras cidades às voltas com inundações, evidenciando seu despreparo para se adaptarem às mudanças climáticas com programas de readequação das áreas urbanas aos eventos extremos, cada vez mais frequentes. O último balanço do ano acusa 250 mil mortos no mundo em consequência de "desastres naturais" (incluindo enchentes, terremotos, etc.), mais que os 115 mil que perderam a vida em atos terroristas ao longo de 40 anos (The Washington Post, 20/12). E US$ 222 bilhões de prejuízo.
Mas pouco ou quase nada conseguimos avançar, como demonstrou a reunião da Convenção do Clima em Cancún - com duas questões novas e graves: 1) A Bolívia recorrendo e cortes internacionais porque seu voto na reunião - que impedia o consenso indispensável para decisões - não foi levado em conta; 2) os países-ilhas, como o Arquipélago de Marshall, com 61 mil habitantes, perguntando quem assumirá a solução se ele desaparecer do mapa com a elevação do nível do mar (a seu pedido, a Universidade Columbia, nos EUA, discutirá a questão em abril). Enquanto isso, países "emergentes" e "em desenvolvimento acusam os industrializados e recusam-se a assumir compromissos de redução de emissões - deslembrando a proposta brasileira de 1997, em Kyoto, de que cada país deveria assumir cotas de redução proporcionais à sua contribuição para o acúmulo de gases na atmosfera desde a revolução industrial e às atuais emissões.
E assim seguimos impermeabilizando nossas cidades, entupindo-as com veículos (no mundo, são 170 mil veículos novos por dia), assoreando rios com deposição de esgotos, sem regras para a expansão urbana. Diz a Agência Nacional de Águas que em seis anos 1.896 de 2.965 municípios analisados atingirão o limite máximo de fornecimento de água. Mas as perdas de água nas redes urbanas continuam por volta de 40% (26% em São Paulo), sem que haja programas de financiamento para projetos de recuperação e manutenção das redes, muito mais baratos que construir mais barragens, adutoras e estações de tratamento. Quase metade dos brasileiros não conta com redes de coleta de esgotos em sua casa, pelo menos 20 milhões não recebem água tratada, menos de 30% dos esgotos coletados recebem algum tratamento. Mas não se cumprem sequer os objetivos previstos no PAC e a "universalização" do saneamento levará pelo menos 20 anos.
Agora temos uma Política Nacional de Resíduos Sólidos. Mas nos faltam instrumentos e recursos para dar destinação adequada a pelo menos 230 mil toneladas diárias de lixo domiciliar e comercial. Os municípios gastam hoje mais de R$ 15 milhões por dia na coleta, mas os aterros das grandes cidades estão quase todos esgotados e 70% dos municípios não dão destinação adequada aos resíduos. Com a colaboração do Senado - que suprimiu no projeto de lei nacional a indicação de que a incineração só seria permitida se inviáveis o reaproveitamento, reciclagem ou aterramento do lixo -, os caríssimos e inadequados projetos de incineração avançam a passos céleres em vários lugares. Nos últimos dias do ano, o decreto-lei presidencial que regulamentou a política de novo restabeleceu a prioridade para outras possibilidades.
A Convenção da Biodiversidade em Nagoya demonstrou a gravidade da situação no mundo, que consome 30% mais de recursos naturais do que o planeta pode repor. Mas se tenta por aqui mudar o Código Florestal para reduzir as exigências de conservação. Avança-se um pouco na Amazônia na questão do desmatamento, mas se vai em frente a todo vapor com os projetos de novas hidrelétricas, comentados aqui na semana passada. E o Cerrado, que este ano se transformou num imenso caldeirão, com número recorde de queimadas, continua a perder vegetação em 14 mil km2 anuais, segundo o governo, 22 mil segundo as ONGs. Até pelo avanço descontrolado do plantio de cana-de-açúcar. Certamente com consequências muito fortes, inclusive no acúmulo de água para as três bacias hidrográficas que abastece, e na agricultura, que já se ressente de perdas fortes. Mais que nunca, fica evidente a ausência da chamada "transversalidade" nas ações do governo federal - o ex-secretário-geral do Ministério do Meio Ambiente João Paulo Capobianco chegou a dizer que "o governo não tem política ambiental".
Quando se reveem temas sociais tratados ao longo do ano, fica evidente que o setor de saúde continua empacado, e agora com a alegação de que é preciso recriar a CPMF para financiá-lo, quando a administração federal continua a gastar mais de R$ 150 bilhões por ano em pagamento de juros bancários e a investidores em papéis financeiros (mais de 12 vezes o orçamento anual do Bolsa-Família). Mas não se empenha numa verdadeira reforma tributária, que cesse com os programas de incentivos fiscais concedidos pelos Estados e que somam centenas de bilhões de reais por ano - concentrando a renda e desviando recursos da saúde e da educação. Esta última, sem profundas modificações, não conseguirá avançar na qualificação de pessoas para o mercado e na abertura de saídas para jovens que abandonam a escola e aderem à marginalidade.
É evidente que o País avançou em muitas áreas sociais nos últimos anos, com a estabilização monetária, os vários programas sociais consolidados, o crédito consignado. Mas terá de conceber novas estratégias, se não quiser ser vítima da crise financeira mundial e das transformações internacionais na produção de bens que concorrem com os nossos.
Agora, é esperar se as novas administrações se conscientizarão das novas realidades ou seguirão no déjà-vu inquietante.
JORNALISTA E-MAIL: WLRNOVAES@UOL.COM.BR
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