segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Uma rede chamada humanidade

Alberto Dines
JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Papai Noel não desceu pela chaminé, baixou pela Internet. Na lista de presentes que distribuiu neste Natal houve mais eletrônica do que joalheria, mais gadgets do que sedas, mais Steve Jobs do que Dior.

Mais ilusões do que realidades: tudo à nossa volta revela uma absurda premência em matéria de apetrechos e equipamentos, corremos esbaforidos atrás dos últimos lançamentos sem perceber que a obsolescência vem junto, brinde obrigatório. Cada nova maquineta nas vitrines é mais uma geringonça a caminho do lixo não-orgânico.

Cansamos de ser humanos, esta é a verdade, preferimos ser operadores de sistemas. Apoiados em pequenos manuais de instrução somos inseridos facilmente nas redes do sucesso, ditas “sociais” – fazemos parte, ganhamos um perfil, rosto, visibilidade. Afinal, chegamos ao status de expoentes embora próximos da nulidade.

Mais complicada, menos sedutora, é a percepção de que a corrida atrás das inovações é enganosa. O ideal iluminista do homem racional, autônomo, livre de dogmas e preconceitos, acabou produzindo em apenas 200 anos – um ninharia na história da civilização – legiões globais de escravos das modas.

O futuro já não é o que era – miragem inalcançável, desafio invencível, sonho, esperança. Representava um salto, ascensão, agora com um clique (re)baixa-se da rede. O futuro era transcendental, agora, uma banalidade de última geração em formato de história em quadrinhos onde os protagonistas são fantásticos equipamentos e os humanos, meros acessórios.

O inglês H.G. Wells tornou-se mais conhecido por suas quimeras científicas do que por seus escritos sobre socialismo e pacifismo. O fatalismo tecnológico transfere para os países desenvolvidos a função de nos abastecer de ferramentas cada vez mais sofisticadas enquanto nos mantém na condição de usuários passivos de suas inovações. Idolatramos um vago e imponderável mundo melhor, esquecidos de algo comezinho: preparar gente melhor para torná-lo viável. Ao menos, capaz de separar os benefícios dos malefícios colaterais.

A modernidade caminha em alta velocidade para tornar-se um retrocesso. Não venceu a intolerância nem o fanatismo como prometera e ainda conseguiu o milagre de fazer da religião um agnosticismo e, deste, uma religião. A modernidade convive com as mentiras, a corrupção, a arbitrariedade e a barbárie graças às infindáveis e anestésicas repetições em tempo real.

Sem consistência, em questão de dias as vanguardas se dissolvem em réplicas, platitudes, reciclagens, híbridos, chavões. Indolor, inodora e inaudível – graças ao barulho ensurdecedor que provoca – a modernidade é uma pirataria desenfreada e invencível.

Tecnologia não liberta ninguém, escreveu recentemente o historiador Timothy Garton Ash. Também não emancipa. Quem liberta, emancipa e transforma são as ideias e as ideias são produzidas pela incerteza nesta arcaica e formidável rede chamada humanidade.

Alberto Dines é jornalista
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