Algumas chuvas de verão que caíram no Grande Recife na semana passada devem ter acionado a luz laranja dos poderes públicos. Se não acionaram, estamos diante de uma grave omissão. Elas mostraram – pela enésima vez – que a nossa capital continua vulnerável, está sempre sujeita a alagamentos e transbordamentos. Uma rotina que reproduz todos os anos o mesmo drama, melhor dizendo, a mesma tragédia, tendo como personagens toda a população. Ninguém fica ao lado, imune, e, entretanto, não se tem notícia, até agora, de quaisquer providências que estejam sendo tomadas pela prefeitura para atenuar o que vier de pior no próximo inverno.
Faz parte da tragédia recifense, ou do Grande Recife, a forma burocrática com que se trabalha para antecipar o previsível. Somente num determinado período, depois das gravíssimas enchentes da segunda metade dos anos 60 e principalmente a de 1975, algumas medidas foram além de reuniões e proclamação de maior vigilância, porque ficou mais do que evidente que o Recife é uma planície baixa com vocação para dificultar o escoamento das águas, do que resultaram algumas das maiores enchentes do século. Essa dificuldade está associada não apenas à fúria dos rios – relatada em outros séculos, quando o Recife era pouco mais que uma vila – mas também pela explosão do crescimento urbano, pela ocupação das áreas que naturalmente pertenciam às águas. A nossa crônica urbana é feita de alagamentos, tanto quanto de aterros e ocupação desordenada.
A partir dos anos 70, depois de grandes cheias em todo Estado – no Recife combinando transbordamento dos rios com a maré alta – alguma coisa foi feita para antecipar o previsível. Para a Região Metropolitana Recife, passaram a funcionar algumas barreiras de contenção, principalmente para barrar as enchentes do Capibaribe. A partir de então, o entendimento era que as cenas de morte e desespero registradas em 70, 75, não mais se repetiriam por causa das barragens.
As chuvas de junho deste ano reescrevem essa história. Continuamos, sim, sujeitos a desastres previsíveis, com a mesma carga de sofrimento para os que estão sujeitos ao deslizamento de barreiras ou desabamento de barracos e os que precisam circular pela cidade e veem seus caminhos obstruídos pelo aguaceiro acima de qualquer previsão. Em junho, por exemplo, tinha-se como certo que haveria chuvas, como acontece todos os anos, mas as deste ano superaram em volume qualquer previsão.
Muito mais se pode recorrer quando se trata de alagamentos históricos, mas no momento basta nos debruçar sobre estes dias de dezembro em que a chuva de algumas horas instalou o caos. Os sinais apagaram, o trânsito parou e a cidade relembrou alguns dos seus piores momentos nas últimas décadas. Seria mais grave ainda se não houvesse o costume, o hábito, o esperado na vida de pessoas que todos os anos passam pelas mesmas dificuldades.
Mas não dá para aceitar que se faça disso um hábito, quando a cidade tem mais espaços ocupados, mais ruas impermeabilizadas, mais canais tomados por lixo, mais trânsito com a chegada diária de veículos em ritmo acelerado para as mesmas ruas, as mesmas avenidas. Não se pode aguardar como rotina do inverno mais uma vez galerias obstruídas, ruas alagadas e intransitáveis, trechos como o túnel Chico Science inundados.
Para ativar a memória: a média normal de chuva em junho é de aproximadamente 390 milímetros, a maior do ano no Recife. Agora, em 2010, o total acumulado do dia primeiro de junho até 9h do dia 17 estava perto de 284 milímetros, o que corresponde a 73% da média, com alguns momentos de chuva torrencial, recontando velhas histórias. Por isso é preciso desde já pensar no período de inverno de 2011, até mesmo de olhe no que está ocorrendo no mundo inteiro, com mudanças na temperatura e desequilíbrios ambientais que já acionaram o sinal vermelho de todos os governantes mais responsáveis.
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário