O Estado de S. Paulo
Os políticos trabalharam tanto ultimamente para compor o ministério do governo Dilma Rousseff, embananar mais uma conferência do clima e resolver outros problemas cruciais da humanidade que às vezes a gente se esquece de quem trata de assuntos concretos cá embaixo.
Séculos inteiros podem passar sobre o cotidiano antes que um historiador como Fernand Braudel resolva cavucá-lo em busca da História silenciosa, a que parece imóvel mas, calada, move o mundo. E nada impede que, um dia, 2010 seja lembrado como o ano em que a GM começou a fazer nos Estados Unidos um carro elétrico, o Volt, com a escória do plástico que serviu para enxugar o óleo derramado pela BP no Golfo do México.
Isso não faz necessariamente da GM um modelo para o futuro. Suas vendas de carros estão em queda. As de picapes e outros mastodontes de lata em alta. O Volt fecha o ano com 10 mil carros vendidos. Deve emplacar uns 45 mil em 2011. Por enquanto, só está aí para provar que existe. Mas é o quanto basta para lançar a sombra da obsolescência e do anacronismo sobre os carros que fabricamos, importamos e compramos como nunca no Brasil. Se até a GM já faz carro elétrico, está na hora de adiar a visita às concessionárias que não acertarem o passo com as matrizes estrangeiras.
Não adianta argumentar que, sim, nossos carros novos estão na fila de velharia, mas em compensação o i-Pad e todos os "i-s" da Apple já desembarcaram em massa no Brasil. Vestidos de alumínio, são todos tão elegantes que esta semana, no Wall Street Journal, o jornalista Brett Arends, guru de bolsa, admitiu que as ações da Apple furaram estrepitosamente o teto de cotação que ele considerava prudente, ou mesmo possível. É que não se trata mais de uma empresa de tecnologia, mas de uma grife. "A Apple", ele alegou, "é uma marca de luxo, como a Hermés ou Tiffany".
E é exatamente por estar tão em voga que não pode dar ao freguês a sensação de que, ao adquirir um objeto bonito, comete em público um ato feio. Para remediar o embaraço, a última palavra em acessório para MacBook pode ser um atestado de bom comportamento, expedido em Nova York pela Belgrave Trust. A Belgrave calculou quanto cada MacBook de alumínio custará ao planeta, da fábrica ao fim da vida útil. São 630 quilos de dióxido de carbono, que o feliz proprietário pode zerar, de saída, pela bagatela de US$ 10, investidos em reflorestamento. Se colar, a indulgência da Belgrave arrecadará uns US$ 100 milhões. É árvore que não acaba mais.
E, para não parecer que só o presente aponta para o futuro, ponha-se no pacote do Natal o Homem de Denisovan. Ou seja, o osso da mão de uma prima do Homem de Neandertal descoberta na Sibéria. É uma velha obsessão do biólogo Bernd Heinrich o sumiço repentino dessas criaturas, que tinham cérebros tão grandes quanto os nossos, usavam fogo, despachavam seus mortos com flores e zanzaram pela Ásia e a Europa por mais de 250 mil anos.
Ele acredita que o Homem de Neandertal sobreviveu pacificamente a três eras glaciais por ter o corpo coberto de pelos. Desapareceu porque o clima esquentou, abrindo alas para o glabro Homo sapiens e sua incurável propensão a exterminar tudo o que considera diferente. O homem peludo sofreu a primeira campanha de limpeza étnica de nossa história. E Heinrich insiste que ele até hoje tem algo a nos dizer sobre as vantagens para o planeta da coexistência pacífica. A época não poderia ser mais propícia para o dedo de Denisovan indicar o caminho.
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