terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Washington duvida que o México ganhe a guerra contra os carteis

Le Monde

A onda de violência no México, impulsionada pelos cartéis das drogas, tem preocupado muito Washington, a julgar pelos telegramas diplomáticos obtidos pelo WikiLeaks e revelados pelo “Le Monde”. Os americanos duvidam da capacidade dos mexicanos de restabelecer a ordem pública.

“Os analistas de Washington estão particularmente interessados na dinâmica da liderança mexicana”, escreve Hillary Clinton, em uma mensagem secreta de dezembro de 2009. A secretária de Estado americana pretende “reavaliar sua apreciação” sobre o presidente Felipe Calderón. Este último se encontra sob um “grande estresse” por causa da guerra contra os traficantes, do colapso econômico do país e do fracasso de seu partido nas eleições de 2009.

Hillary pergunta então à sua embaixada no México como Calderón “está reagindo aos pontos de vista divergentes do seu”. “Ele está se cercando de pessoas com pontos de vista diferentes, ou ele prefere os ‘yes men’?” A preocupação se concentra na equipe encarregada da segurança pública. Além de sua imbricação econômica, os Estados Unidos e o México cooperam de forma estreita nesse domínio.

Depois de ter citado nominalmente os principais responsáveis, em um memorando secreto de julho de 2009, a secretária de Estado queria saber quais eram “suas amizades, alianças, rivalidades e suspeitas”. Entre suas inúmeras perguntas a respeito do security team, Hillary formulou a pergunta mais lancinante: “Eles acreditam que podem vencer a guerra contra as drogas?” Razões para questionar e para duvidar não faltam.

Desde 2008, o número de homicídios disparou, e “a natureza da violência dos cartéis mudou”, observa um memorando de janeiro de 2009. “Poucos assassinatos são alvo de uma verdadeira investigação no México”. Consequentemente, “determinar quais são realmente associados ao crime organizado é uma ciência inexata”. Durante um encontro entre o diretor nacional de inteligência, Dennis Blair, e o presidente Calderón, em outubro de 2009, os americanos manifestaram seu desacordo. Não basta mirar os chefes dos cartéis, “a chave do sucesso consiste em ganhar a confiança da sociedade contra os traficantes”.

A tentação de uma escalada militar existe no México, a julgar pelo debate dentro do governo sobre a declaração do estado de exceção, com suspensão das garantias constitucionais nas zonas mais violentas, como Ciudad Juárez. Um relatório secreto de outubro de 2009 avalia que uma medida como essa seria custosa do ponto de vista político e arriscada em termos práticos.

Os diplomatas americanos pensam que as autoridades mexicanas deveriam apostar mais na inteligência para aumentar a eficácia da luta contra os cartéis. “A estratégia de segurança do presidente Calderón carece de um sistema de inteligência capaz de produzir informações de qualidade e operações direcionadas”, segundo um memorando secreto de novembro de 2009. “Subdesenvolvido” e “fraturado”, esse sistema ineficaz se tornou o “principal obstáculo” para uma melhoria na ordem pública.

O documento detalha a “miríade de agências governamentais” mexicanas que se veem com hostilidade: o Centro de Investigação e de Segurança Nacional (Cisen), a Secretaria de Segurança Pública (SSP), a Procuradoria-Geral da República (PGR), a Secretaria de Defesa (Sedena), a Secretaria da Marinha (Semar). “Cada um tem uma missão diferente em matéria de inteligência e níveis diversos de desenvolvimento e de profissionalismo”.

Essas agências não compartilham suas informações ou análises. “Elas preferem reter a informação a favorecer o sucesso de uma agência rival”. Elas também desconfiam das forças de segurança em campo, pois os comandos locais muitas vezes são infiltrados pelo crime organizado. Construir uma estrutura de inteligência na fronteira Norte é de fato muito difícil, porque boa parte dos policiais está comprometida.

“No México, a cultura burocrática não gosta do risco e as agências de inteligência preferem não fazer nada a cometer um erro”. O papel natural de coordenação caberia ao Cisen, “que não tem a capacidade de dirigir efetivamente o processo inter-agências”. A SSP está se tornando o ator principal graças à Plataforma Mexico, um novo banco de dados criminais.

Em janeiro de 2010, “a incapacidade do governo mexicano de frear a escalada dos homicídios” foi alvo de um relatório secreto alarmista. “A corrupção oficial se alastrou muito”, diz o documento, “o índice de processos para as agressões do crime organizado é lamentável; nem 2% dos detentos são apresentados aos tribunais”. As forças armadas se tornaram o ponto fraco da estratégia de segurança. “A ascensão dos militares sem coordenação com as autoridades locais não deu certo”. As tensões entre a Marinha e o Exército são “consideráveis”.

Crescem as questões sobre os direitos humanos em Washington, mas os militares mexicanos reagem, defendendo suas prerrogativas. “Estabelecer um diálogo produtivo sobre direitos humanos com os militares mexicanos demanda trabalho e muita destreza. Não é um domínio sobre o qual eles têm o hábito de conversar com pessoas de fora”, observava uma mensagem confidencial de setembro de 2009, após um encontro entre oficiais americanos e um procurador militar mexicano, o general Jaime Lopez Portillo.
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