segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

China: medo e cobiça

Carlos Alberto Sardenberg
O Globo

Era só o que faltava: os chineses não apenas estão cultivando laranjas, como pretendem alcançar uma produção de 30 milhões de toneladas em 2015. Isso é mais do que produzem hoje os estados de S. Paulo e da Flórida, dominantes nesse mercado. 

Temores exagerados deste lado do mundo? Pode ser, mas o pessoal do setor agrícola lembra que há dez anos os chineses quase não plantavam maçãs. Hoje, respondem por 75% das exportações mundiais. 

Pensou que os chineses iam invadir o mundo apenas com eletrônicos baratos? Pois é, vem mais. Mas há outra maneira de ver a história. Hoje, os chineses consomem pouco suco de laranja. Lá vivem 1,4 bilhão de pessoas, em condições econômicas bem diferentes. Em Shangai, a renda e o padrão de vida se aproximam dos níveis europeus ocidentais, Itália, por exemplo. Mas há regiões onde a população enfrenta pobreza pior que a da África. 

Mas digamos que apenas os chineses já pertencentes às classes média e rica (sim, há muitos milionários no país comunista) tomassem uma caixinha de suco de laranja por dia. Seriam mais 800 milhões de pessoas tomando suco, mais de duas vezes e meia a população americana, mais de quatro vezes a população brasileira. E se eles tomassem também um cafezinho por dia? — sonham produtores brasileiros, colombianos e vietnamitas. 

É isso, a China desperta medo e cobiça É ameaça e salvação. No período de recuperação da crise de 2008/09, foi o motor chinês que puxou as economias emergentes, com seu consumo fortíssimo de minérios e produtos agrícolas. Não seria exagero dizer que a China, ao continuar crescendo perto dos 10% ao ano, salvou o mundo de uma crise devastadora. 

Ao mesmo tempo, produtores do mundo todo se queixam da invasão chinesa em quase todos os setores da economia, de automóveis (aliás, já se vê pelas ruas brasileiras) até maçãs e laranjas. 

O que fazer? — é também a pergunta que se faz o presidente Barack Obama, ao receber, com “banquete de Estado”, seu colega chinês Hu Jintao. Trata-se do G2, a reunião das duas maiores economias do planeta, as duas que mais exercem poder e influência sobre o resto do mundo. 

O atual tratamento dado ao líder chinês já é uma mudança. Quando se reuniu com George Bush, quatro anos atrás, Hu teve apenas um “almoço de trabalho”. Agora, recebe o mais alto tratamento concedido a líderes aliados. Para alguma coisa servem os US$ 900 bilhões que os chineses têm aplicado em títulos do governo americano. 

Mas a “gala de Estado” reflete o avanço da China no cenário internacional recente. Passou o Japão como a segunda maior economia do planeta, aumentou sua presença mundo afora, com negócios e investimentos, e desempenhou papel crucial na saída da crise. 

Por outro lado, a China tem conten ciosos variados com os EUA e com o mundo todo. Começa com sua moeda, clara e artificialmente desvalorizada, o que dá ao produto chinês uma vantagem global, contra todos. Sem contar as disputas comerciais, restrições a negócios de estrangeiros na China e, claro, a ditadura que não respeita os direitos humanos e que protege o Irã e a Coreia do Norte. 

Tudo considerado, jornalistas americanos perguntaram à secretaria de Estado, Hillary Clinton: “Estamos diante de um país amigo ou um inimigo?” 

Ela sai pela tangente. Disse acreditar que EUA e China podem manter “relações normais”. Na economia, não há mais como separá-los. 

Os chineses vivem, em boa parte, de vender nos shoppings americanos. São produtos bons, baratos, que ajudaram a melhorar o nível de vida do consumidor dos EUA. Além disso, boa parte desses produtos é fabricada por companhias americanas na China. Está escrito na parte de trás do iPhone: “Desenhado pela Apple na Califórnia/ Montado na China.” 

Ou seja, a relação é boa para as duas partes. Mas os empregos industriais fogem dos EUA, é a queixa americana. Que poderia ser resolvida se os chineses valorizassem sua moeda e importassem mais, como vive argumentando o secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner. 
Isso quer dizer que há maneiras de se administrar as diferenças. Ou, por outra, não há como eles caminhem para um confronto econômico aberto. 

Mais difícil é saber como tratar a questão política, ditadura e desrespeito aos direitos humanos. Muitos dizem que não há o que fazer além de criticar, marcar posição e, paciência, esperar que o regime chinês evolua internamente para uma coisa mais próxima da democracia. 

Como se vê, não se trata de uma disputa tipo EUA x União Soviética. Agora, estão todos no capitalismo, discutindo moeda, comércio e investimentos. 

E o Brasil da presidente Dilma? Para começar, poderia enterrar essa bobagem da Era Lula de achar que a China é nossa parceira estratégica na diplomacia Sul-Sul, de pobres x ricos. A China é a segunda potência, quer ser rica, e pronto. Tem mais tendências imperialistas do que para solidariedade com o Terceiro Mundo. 

CARLOS ALBERTO SARDENBERG é jornalista. E-mail: sardenberg@cbn.com.br; carlos.sardenberg@tvglobo.com.br.
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