Um programa com tudo para dar certo para ajudar a reduzir a desigualdade social e dar mais dignidade...aí entra o "povinho desta terra" e esculhamba tudo.
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Elio Gaspari
O GLOBO
Falta o governo botar na rua os atravessadores do programa Minha Casa Minha Vida
Se há um novo estilo de governo em Brasília, na semana passada ele mostrou sua capacidade de dar pronta resposta a um problema. Os repórteres Edna Simão e Tiago Décimo revelaram que apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida, de um conjunto residencial de Feira de Santana, na Bahia, haviam sido negociados no mercado negro. Além disso, cerca de 10% das famílias beneficiadas atrasavam o pagamento de suas prestações de pelo menos R$50. No dia seguinte, cumprindo determinação da doutora Dilma, os ministérios do Planejamento, das Cidades e a Caixa Econômica informaram que o governo retomará as unidades vendidas irregularmente e correrá atrás dos inadimplentes. Falta botar os atravessadores para fora, se possível em cena pública. Um deles não passará por dificuldades, pois já mostrou que tem uma caminhonete Nissan Frontier, para a qual construiu um discreto abrigo.
O conjunto residencial de Feira de Santana foi o primeiro da safra do Minha Casa Minha Vida. Visitado duas vezes pelo presidente da República e exposto na campanha eleitoral de sua candidata, tem tudo para ser uma joia da coroa da política social petista. São imóveis de dois quartos e sala, subsidiados. Se forem revendidos e se a inadimplência prevalecer, o programa naufragará nas mesmas águas do falecido Banco Nacional de Habitação, criado em 1964 e fechado em 1986, corroído pela inflação e pela demagogia, deixando para trás um rastro de escândalos.
Das 440 unidades de Feira de Santana, 50 já foram passadas adiante. Houve quem trocasse o imóvel por R$500, antes mesmo de receber as chaves. Quem vendeu ganhou um dinheirinho fácil, e quem comprou fez um excelente negócio, levando a preço de banana um apartamento que vale no mínimo R$15 mil. A exposição pública do despejo dos espertalhões será um desestímulo à propagação do golpe. A expulsão dos atravessadores é uma medida de justiça social, pois preserva o Minha Casa, Minha Vida. Por enquanto, a revenda está na casa dos 15%. Se a Caixa e o governo federal ficarem apenas na conversa, até o fim do ano esse percentual dobra.
Os marqueteiros de Brasília repetem um truque de seus similares durante a ditadura. O Minha Casa Minha Vida é apresentado como uma dádiva D"El Rey aos súditos desafortunados. Quando uma família paga em dia as prestações de seu apartamento, a maior parte do esforço é dela, mas disso não se fala. Resultado: se o governo mostra minha casa como um presente, por que devo pagar o que ele diz que devo? Foi assim que se criou, no século passado, a categoria social dos "inadimplentes do BNH". (Com uma diferença, o BNH beneficiou preferencialmente a classe média, cevando "inadimplentes" no Leblon e no Jardim Paulista.) Seria mais honesto se o governo dissesse que o Minha Casa Minha Vida é uma obra da patuleia que paga os impostos e dos moradores que quitam suas prestações.
Atravessadores de programas sociais não são "sem" seja lá o que fôr. São apenas malandros. Há assentados rurais que vendem seus lotes. Num caso mais radical, em São Paulo já houve invasor de conjunto habitacional que vendeu a posse na noite de sua chegada ao imóvel, sabendo que a tropa de choque da PM poderia aparecer ao amanhecer, como efetivamente apareceu.
Elio Gaspari é jornalista.
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