Merval Pereira
O GLOBO
A revolução popular que derrubou a ditadura da Tunísia começou com um fato ocorrido no interior profundo do país, e que foi amplificado através de relatos no Facebook. Uma simples discussão, com agressões, entre uma feirante e uma policial acabou se transformando em um protesto dramático, com a feirante se imolando em praça pública em frente ao palácio do governo.
Sua imagem em chamas foi transmitida através do Facebook, e representou a revolta contra o tratamento humilhante dado pelas autoridades aos cidadãos. Como era um sentimento generalizado, o protesto espalhou-se pelo país.
Este ano o governo americano parece estar empenhado em defender a liberdade na internet como um instrumento político para espalhar a democracia em regiões como o mundo árabe.
O Egito, por exemplo, está tentando impedir que imagens das revoltas em diversas partes do país contra a ditadura de Hosni Mubarak sejam enviadas pelo Facebook ou pelos celulares, e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez um apelo para que fossem restabelecidos os serviços de internet (que classificou de ícone da liberdade), de telefonia celular e redes sociais.
A Secretária de Estado Hillary Clinton já havia anunciado no início do mês que os Estados Unidos apoiariam uma campanha internacional pela liberdade de acesso à informação, como resposta às dificuldades que países como o Irã e a China impõem ao uso do Google ou da Wikipedia; pelo direito dos cidadãos de produzirem suas próprias publicações, como, por exemplo, os ativistas de Burma; e pelo direito de trocar mensagens sem a interferência dos governos.
Recentemente o escritor brasileiro Paulo Coelho, um dos mais vendidos no mundo - "O Alquimista" está há três anos na lista de mais vendidos do "The New York Times" - teve uma experiência de como usar os novos meios tecnológicos para reagir a uma tentativa de censura do governo do Irã a seus livros.
A proibição de seus livros, depois de mais de dez anos entre os mais vendidos do país, acabou se transformando em um veto ao seu editor, que teve que deixar o país.
A maneira que Coelho encontrou de reagir à proibição foi liberar seus livros para serem baixados de graça pela internet.
Ele está tendo milhares de acessos por dia a seus livros e neste mês de janeiro já atingiu dois milhões de visitantes únicos em seu blog.
Paulo Coelho, que colabora com a comissão organizadora do Fórum Econômico aqui em Davos, esteve com o chanceler brasileiro Antonio Patriota para agradecer o empenho do governo brasileiro no caso.
Um dos mais seguidos do mundo no Twitter, segundo a revista Forbes, Coelho há muito tempo tem usado os novos meios tecnológicos para um contato mais frequente com seus leitores, e disponibiliza seus livros na internet de graça.
Nessa luta entre a cidadania e os governos autoritários na internet, há casos curiosos como o relatado pelo professor Shirky em um artigo do número de janeiro da Foreign Affairs.
Ele conta que o governo americano está empenhado em financiar pesquisas para desenvolver mecanismos que impeçam os governos de restringir a internet, ou que sejam capazes de reabrir o acesso à internet quando ele for bloqueado pela ação governamental.
Acontece que um dos mais eficientes mecanismos contra a censura da internet foi desenvolvido pela seita Falun Gong, justamente para evitar o controle do governo chinês.
E o governo dos Estados Unidos evita incentivar esse mecanismo por que não quer entrar em atrito com o governo chinês, que considera o Falun Gong um "culto pernicioso".
O poder da internet e das redes sociais, segundo Clay Shirky, professor de Novas Mídias da Universidade de Nova York, se baseia principalmente no seu apoio à sociedade civil e à esfera pública, processo que se se mede em anos ou décadas.
Por isso ele sugere que o governo americano, em vez de apoiar a liberdade na internet fora dos Estados Unidos como uma maneira de incentivar a democracia, promova campanhas a favor das liberdades civis como a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa e o direito de livre associação. Com esses conceitos prevalecendo nos países, o trabalho de amplificação das redes sociais e da internet terá mais efeito, pois encontrará uma sociedade amadurecida e mais receptiva aos incentivos divulgados.
Shirky considera equivocada a idéia de que as redes sociais por si só levam à democracia, e lembra que muitos governos autoritários estão se aproveitando dos mesmos mecanismos para se fortalecer.
Na coluna de sexta-feira sobre o G-20, eu deveria ter sido mais específico na diferenciação dos dois grupos - o G-20 na Organização Mundial do Comércio (OMC), composto apenas por países em desenvolvimento, e o G-20 que reúne as maiores economias do mundo - e fiquei apenas no que há de semelhante, ou seja, a disposição de incluir países emergentes nas decisões internacionais.
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